segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Poema de Natal

(antes do poema, uma dica de um presente a se dar de Natal: assistir ao filme A Vida dos Outros. Emocionante.)

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinicius de Moraes

sábado, 22 de dezembro de 2007

O Velho, o Menino e o Burro

Iam um velho, um menino e um burro para a feira, os três andando bem devagar.
Passaram algumas pessoas e comentaram:

– Que gente boba!
Andando tanto, quando podiam ser levados pelo burro!
O velho, então, montou o menino no burro e foi ele mesmo puxando o cabresto.
Passaram outras pessoas e disseram:

– Que absurdo! Um velho tão velho andando e o menino no bem-bom!
O menino desmontou, o velho subiu e foi conduzindo o burro.
Outros passaram e disseram:

– Que horror!
Um menino tão pequeno andando
o velho descansando em cima do burro!
O velho, então, pôs o menino com ele em cima do burro, e lá foram eles para a feira.

Mas, pessoas que também iam pelo caminho resmungaram:
– Como tratam mal um burro magro!
Ter de levar tamanho peso!

O velho e o menino desceram do burro e
passaram a carregá-lo nas costas.
E aí, todos os que passavam riam deles e diziam

– Mas que burrice! Afinal, para que serve um burro?
Moral da história:
Quem quer agradar todo mundo no fim não agrada ninguém.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Assim continuaram...

Levantou-se com certa dificuldade e, com as mãos trêmulas, abriu a gaveta da cômoda, ajeitando os achados que havia posto dentro da carteira sob um suéter de lã. Distraído, olhou no espelho, deparando-se com aquele vulto imberbe que se assemelhava a ele.

Aprontou-se com a presteza de sempre e desta vez trocou o nó Windsor da gravata por um cruzado. A camisa branca, combinando com as paredes, foi logo coberta pelo paletó escuro. Sentou-se outra vez à beira da cama para uma oração a Nossa Senhora das Estradas, e abriu a esmo a coletânea de Jose Asunción Silva, que, a seu ver, era parte da liturgia diária.

Desceu as escadas seguindo o rastro deixado pela ultima fornada de arepas, que seriam devoradas pelos filhos. Pensava em Gaitan, no Bogotazo, e como as coisas tinham melhorado; e também piorado. Estava doido para passar as férias em San Gil novamente. Sua mulher, Sara, arquétipo de uma tela de Botero, estava sentada com três das criancas à esquerda da cabeceira, derretendo queijo no chocolate quente. Não tinha muito tempo, era hora de ir ao Supremo, pensar nas sinecuras.

(Continuem!!!! Mandem história nos comentários...)

Assim comecei...

Eduardo Ronderos delirava, contando os segundos com piscadelas no quarto todo branco de cal. Não era febre, mas vergonha, uma ferida inflamada resultado da opressiva quase derrota imposta pelo seu último inimigo, o tempo. Estava paralisado, imóvel na grande cama de lençóis brancos, subjugado pelo poderoso adversário. Lembrou-se, entre micromomentos de calma escuridão, das palavras da centenária Úrsula. “O tempo não passa, ele gira em círculos”. E sorriu dentes amarelos em contraste com a saliva. Eu vou vencer!, ensurdeceu sua voz toda a estância na velha Santa Fé de Antioquia.
Esticou a mão e alcançou os pequenos papéis deixados na mesa ao lado da cama pela filha Clara, sua bênção, a mais bonita das quatro, a mais dedicada dos sete que vingaram. As imagens impressas de Santa Dinfna e Santo Pelegrino e uma foto de Clara, além dos dentes de Ronderos, quebravam a uniformidade branca e insana do quarto. Eram sua platéia bizarra.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Incentivo é bom e eu gosto

Todos os dias acordo meio desistindo de escrever. Falta de tempo ou preguiça, depende. Fico enrolando, passo um tempo ausente e quando acho que o sem-saquismo será para sempre, uma palavra amiga escrita aqui e uma lembrança acolá fazem as palavras chegarem ao blogue.
Dessa vez, as responsáveis foram a Cris e a Guta, pelos elogios, e uma lágrima fujona. Eu me lembrei do início de tudo: uma dor de arrebentar a carcaça, de morder edredom para não soluçar, de rezar para morrer. Hiperbólico assim mesmo. Como a Guta definiu no seu Migrante Digital, foi um diário antienlouquecimento, conforme os textos saíam, o desespero era domesticado. A maioria das postagens foi para o arquivo porque não gosto de reler.
Hoje, porém, reli. Coisa de estado de espírito.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Carta do amor eterno

"Acordei de manhã e pensei em você. Óbvio. Dormi e pensei em você. Meu amor não acaba e tá dentro de mim. O oposto do medo é o amor. Dá pra ser feliz. Um beijo muito enorme pois você é uma pessoa amada pra caralho por mim. Meu coração não te esquece... não te esquece... não te esquece... E gosto desse amar, não me importam por agora as lacunas, ausências, essas coisas. Eu te amo."

Caldos na infância

O assunto era família na troca de e-mails. Na verdade, as mensagens falavam de pêlos e fios de lã que deixamos ou dos arranhões que guardamos quando passamos debaixo dos arames farpados das relações com nossos genitores. Lembrei-me do meu pai, carinhoso, porém adepto do "tem que crescer, tem que se virar".
Eu tinha 6 anos quando me mudei da Ilha para Copacabana. Na Ilha, entrávamos no mar tranqüilamente, pois não há ondas na Baía da Guanabara, exceto um dia ou outro no ano, quando a natureza faz umas marolas por lá.
Copacabana era forte para mim, sempre assustada. Pois meu pai entrou comigo e com o meu irmão no mar e de repente saiu fora e nos deixou lá. Fiquei meio desesperada olhando para ele na areia. Adhemar, dois anos mais velho, ao meu lado, batendo as perninhas para não se afogar, como eu. Então, decidimos que tínhamos que sair, porque meu pai não iria nos pegar, sabíamos.
Levei muito caldo, comi muita areia, mas aprendi a entrar no mar e sair.
Como um bicho que ensina as crias, meu pai mostrou o caminho e os perigos naquele dia e nunca mais repetiu a lição.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Noite de brincadeira

A dupla já desceu do táxi rindo: "Uh, uh, vamo invadir!". Uma porta de ferro trancada, um porteiro eletrônico e uma longa escada eram os obstáculos a transpor para a vitória. O objetivo naquela noite era penetrar na festa. Num primeiro momento, imaginou-se que a aventura seria acobertada pela penumbra dos furdunços noturnos. Mas da calçada já dava para antever o mico. Tudo estava muito claro atrás daquela porta vermelha. Aproveitando uma suposta convidada que chegava, a dupla postou-se à entrada.
- Não voltou subir, não. Vocês podem interfonar.
Entreolharam-se. E agora? Interfonaram.
- É Ana, Lúcia e Claudia. Pode escolher.
Grudadinhas, quase de mãos dadas, como pequenos irmãos assustados, subiram sem respirar. Uma cara desconhecida, é óbvio, as esperava lá no alto. Tudo muito claro. Holofotes acesos como aqueles de filmes antigos que detectam fugas de penitenciárias.
- Ele está naquela sala, podem ir lá.
A dupla se embrenhou para uma sala contígua, vazia, para esconder a cabeça como avestruz e ficar ali até morrer de vergonha.
- Não, naquela outra, ele está lá. Podem ir.
As ordens foram plenamente acatadas pelas crianças travessas e apenas adiaram os planos imediatos de suicídio. Ai, meus sais.
- Entra lá, você que é amiga de Orkut.
- Não sou, não.
- Como????? Não é??? E o que a gente está fazendo aqui. Além de não sermos convidadas, nem conhecemos o aniversariante que vamos ter que cumprimentar e dar beijinho agora??? Vou voltar. Vou dizer que a gente errou de porta, que estava procurando a livraria e se perdeu.
- Não, vamos lá, mas vai você na frente.
Que roubada. Não dava mesmo para recuar, éramos observadas.
Com o milagre da transmutação do sangue em adrenalina, entramos. Quatro, apenas quatro convidados.
(CONTINUA...)

sábado, 17 de novembro de 2007

Só 10%????

Algumas mulheres (10%), próximo orgasmo, expelem uma secreção como os homens. É um líquido claro, às vezes leitoso, ralo e geralmente inodoro. Isso, geralmente, é observado em mulheres que estejam muito excitadas, apresentem múltiplos orgasmos ou aquelas que atingem o clímax através da estimulação vaginal. A secreção ejaculada pode ter de 15 a 200 mililitros e é produzida pelas glândulas parauretrais, que ficam ao lado da uretra e não são visíveis.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Mudei

De tanto te pensar, me veio a ilusão.
A mesma ilusão
Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.
De te pensar me deito nas aguadas
E acredito luzir e estar atada
Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.

De te sonhar, tenho nada,
Mas acredito em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor dos teus cismos. De nunca te tocar
Tocando os outros
Acredito ter mãos, acredito ter boca
Quando só tenho patas e focinho.

De muito desejar altura e eternidade
Me vem a fantasia de que Existo e Sou.
Quando sou nada: égua fantasmagórica
Sorvendo a lua n'água.
(Hilda Hilst)

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Maggie foi cobrada pela Patrícia Evans

I'm an Emotional Idiot
so get away from me.
I mean,
COME HERE.

Wait, no,
that's too close,
give me some space
it's a big country,
there's plenty of room,
don't sit so close to me.

Hey, where are you?
I haven't seen you in days.
Whadya, having an affair?
Who is she?
Come on,
aren't I enough for you?

God,
You're so cold.
I never know what you're thinking.
You're not very affectionate.

I mean,
you're clinging to me,
DON'T TOUCH ME,
what am I, your fucking cat?
Don't rub me like that.

Don't you have anything better to do
than sit there fawning over me?

Don't you have any interests?
Hobbies?
Sailing Fly fishing
Archeology?

There's an archeology expedition leaving tomorrow
why don't you go?
I'll loan you the money,
my money is your money.
my life is your life
my soul is yours
without you I'm nothing.

Move in with me
we'll get a studio apartment together, save on rent,
well, wait, I mean, a one bedroom,
so we don't get in each other's hair or anything
or, well,
maybe a two bedroom
I'll have my own bedroom,
it's nothing personal
I just need to be alone sometimes,
you do understand,
don't you?

Hey, why are you acting distant?

Where you goin',
was it something I said?
What
What did I do?

I'm an emotional idiot
so get away from me
I mean,
MARRY ME.

domingo, 4 de novembro de 2007

Volta para o mar, oferenda!

A casa do Gláuber é daquelas que nos fazem sentir bem. Pelo grande terraço que ventila e refresca, pelas excelentes músicas do anfitrião-DJ, pela comidinha gostosa que só ele prepara para receber seus convidados, pelas boas conversas inteligentes sem pedantismo, pelas imprescindíveis gargalhadas, pelas anunciadas bebedeiras, pelo carinho do dono. Por tudo isso e pelo que não consigo traduzir, é quase impossível recusar um convite para ir lá, onde já participei de uma das mais memoráveis festas da vida com apenas seis pessoas.
Da cabeça encaracolada do Gláuber saíram idéias geniais como a "Coelhada de Páscoa", que ele mesmo cozinhava no terraço, uma tradição que se foi com a Dani, a mulher que enchia as escadas de colchonetes para fazer um grande tobogã, onde escorregava com nossas crianças. Depois do almoço, chocolates para todos e delírios só para os adultos.
A casa tinha piscina, mas deu infiltração e agora tem mais espaço e um chuveirão. Tudo é bom. Tudo é calculadamente agradável. Ir à casa do Gláuber significa levar idéias e sorrisos embora conosco. Ontem, conversando coisas tristes com a Anna José, ela soltou: "Ah, Ana, esquece, fala assim, ó: 'Volta para o mar, oferenda!'". É isso. A casa do Gláuber é um grande centro de triagem para retornos das oferendas ao mar.

sábado, 3 de novembro de 2007

Travequinha amada

Querida Cris (como Querido Diário),
sei que você não é espiritualista nem esotérica, mas tampouco veste o fardão do materialismo científico, o que lhe faz ter uma posição pertinente a respeito de fatos bobos desse nosso cotidiano que ora conto, ora guardo na preguiça amiga.
Hoje pensei muito em você, nas suas opiniões e na sua risada com o que vou narrar. Estou de plantão, leia-se trancafiada dentro de casa, vendo sites, escarafunchando jornais, cuidando de uma boa cobertura para o nascimento do segundo filho da Angélica - não se compadeça nem gaste sua verve falando do sistema capitalista que nos suga e destrói nossos sonhos, daqui a pouco vou ver os queridos na casa do Gláuber e isso me basta.
Bom, a rotina do plantão manda acordar cedo para comprar os jornais. Acordei quase que mais cedo que os jornaleiros e fiquei perambulando por Botafogo à espera de uma banca aberta com os jornais do Rio e de SP. Aproveitei para caminhar na praia e dei ainda um pulo na igreja, porque gosto de falar com as imagens. Segurei na mão de um lindo Cristo e saí de lá com aquele dom de "ver" em que você não acredita.
Na volta para a banca, carros estacionados, telefones celulares tocando sem parar, tumulto nas ruas à minha frente às sete e meia da manhã. Fiquei zonza. Tentei respirar, mas tiraram meu ar. Quis me escorar, mas não havia paredes nem chão. Pô, Silvona amiga, você diria, fumar um beque antes do café dá nisso, rapá. Não, sem beques, tô limpa. Flutuei na volta para casa, meninos, famílias inteiras ainda dormiam na calçada. Um garoto cheirava cola, olhou para o alto e me viu. Esticou a mão da garrafa com a droga dentro na minha direção, uma oferenda para mim. Tudo em câmera lenta. Torci muito para chegar logo em casa, eu chorava, e a casa chegou a mim. Mas o que você viu, mulher de Deus?, perguntaria a amiga escritora. Na verdade, nada e tudo. Nada do que eu não sabia e tudo que eu escondia do meu coração. Esse mundo dá pena, Cris, e eu estou cansada de lutar com os seus burgas, amiga.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Ana Torrent


Ana Torrent é Cria Cuervos e O Espírito da Colméia. Ana é menina. Já foi mulher de Henrique VIII, mas antes teve pena do monstro do Frankenstein e acreditava ter o poder da vida e da morte das pessoas. Quando crianças sempre acreditamos nisso, que somos invencíveis, impossíveis, invisíveis.
Eu voava quando tinha cinco anos. Na minha certeza de ser mais leve que o ar, me atirei muito de janelas, uma sorte ter morado em casa. Também me lancei muito da muretinha da praia da Freguesia, na Ilha do Governador. Não me lembro de cair de machucar nem de comer areia, não, então certamente voei muito pelo espaço aberto do meu grande mundo, onde viajar para mim era cruzar a ponte do Galeão para visitar minhas tias no Flamengo. Hoje, coragem não me falta de pular de qualquer lugar e ver o mundo do alto, fazer piruetas de braços abertos, mas sabe como é, estou mais pesada, sei lá. Vai que a imaginação se esgarce...

Outro dos meus poderes infantis era fazer as luzes dos túneis se acenderem. Achava incrível elas esperarem exatamente o momento em que eu passaria para iluminar a rota dos motoristas. E os outros que passaram em carros antes de mim? E os que passariam depois? Problema deles, que não me tinham no carro. Eu era importante. Uau. Então, um dia, descobri o decepcionante segredo das luzes: elas estavam sempre viradas na direção contrária à do sentido em que o carro ia. Crescer dói porque desencanta.

Mas eu ainda guardo alguns pequenos truques. Posso ser invisível. Juro. Ensinei o segredo a um único amigo, o Garambone. Uma vez, conversávamos no Belmonte e uma pesssoa que não queríamos que se sentasse conosco chegou. Ihhhh, resmungou meu amigo. Calma, basta dizer: invisível! Pois a momentaneamente indesejada criatura circulou pela nossa mesa, foi para dentro, para fora, passou de novo por nós e desistiu de nos procurar. Eu e Garamba nos olhamos surpresos e sorridentes. Algumas pessoas têm a capacidade de nos fazer poderosas novamente, seja na força, seja na imaginação. Essas são imprescindíveis na nossa vida.

A leitura dos pensamentos dos outros e a visão do futuro também são meu forte. Só que trazem, invariavelmente, tristeza. Por caridade a mim mesma, ou burrice, tento manter esse poder inativo, mas não adianta. Não podemos renegar nossos dons, são parte do que somos, como a carne, os ossos, o sangue.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Jorge disse

"Entendo vc perfeitamente, viu...
Suspeito que os homens é que são de Vênus, levando as mulheres a Marte (guerra)..."

Salve, Jorge!
Obrigada pela sabedoria do comentário na postagem "Que dodói, que nada".

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

É COISA NOSSA (1925 -2007)

Historinha enviada:
"Colega de trabalho de Pedro de Lara, Elke Maravilha define o humorista como "um sábio". "Lembro que estava triste após levar uma bronca do Silvio Santos, e o Pedro me disse: "Ah, Elke, tem gente que é tão pobre, mas tão pobre, que só tem dinheiro"."

“Na vida tem que ter estilo. Quem não tem não é isso nem aquilo”.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

O homem dodói (Joaquim Ferreira)

Ao homem dodói não dói o pâncreas nem qualquer osso do ilíaco. Não pergunte o mal que lhe aflige pois ele sequer sabe, não acreditaria, tão saudável, que acabou de ser catalogado entre os representantes desta nova espécie amorosa pela última namorada que não agüentou. Ela bateu a porta, jogou fora a chave e veio me relatar que havia mais um dodói solto machucando o coração das incautas. O dodói é o vilão passivo. Não bate na cara, não seqüela a pobre coitada, não maldiz aos palavrões o momento desgraçado em que tomou uma a mais, lixou-se para os cacófatos e carregou a vagabunda para a cama. É um sujeito bonzinho até, mas por omisso, eterna adolescência no jeito de tratar com as questões do amor, ele machuca mais que um kadu desses que andam espancando suas apaixonadas nos consultórios sentimentais dos jornais. O homem dodói, se você urge que a ficha caia rápido, é um deprimido que não sabe se quer, está em dúvida se cai dentro matando a pau, se joga tudo para o ar e muda a vida d e prumo para encarar, vento batendo de frente, uma nova relação. Foge da raia, mas não necessariamente diz. Não necessariamente trai, não necessariamente quer ir embora, não necessariamente faz questão de se fazer necessário. Se ele fosse um sinal gráfico de pontuação, seria uma linha com pontinhos de reticências. A doença, o tal dodói, lhe encaixa mais chocante porque pode ser até um sujeito bem resolvido profissionalmente. Tem o nome nos muros da cidade, na lista dos mais vendidos, uma postura agressiva no mercado de ações frias em que opera. Um sucesso no público, um fracasso no apartamento. Não cresceu. Como não dá qualquer sinal de que crescerá, tenha cuidado ao escrever sobre a figura. Homem dodói, com agá maiúsculo, mesmo no início da frase, não existe. Ele é minúsculo. Mixuruca. Antônio Maria, o mais eloqüente dos cantores das nossas desconexões amorosas, tinha uma cardiopatia conhecida como coração inchado. Morreu disso, graças a Deus viveu disso também e deixou textos magní ficos sobre os que decidem ir com tudo no cassino afetivo. “Quem seria capaz de abrir o peito e mostrar a ferida?”, escreveu certa vez no jornal, ele mesmo destroçado pela exibição da dor que lhe corroia a alma. O dodói está fora de uma cena dessas. Não rasga o peito, não põe fogo às vestes nem rola seu despudor franco pela ribanceira. Tem medo, entre outros, de morrer enfartado, abandonado por alguma mulher, três e quinze, na madrugada de uma calçada de Copacabana. Não é o homem acabado pela dor filha-da-mãe da angústia profunda de uma saudade. Não arrasta qualquer melancolia que o faça arrancar com cera quente os pêlos grudados nas bordas do coração. Nada disso. Ele é dodói apenas. O eterno garoto que esfrega mertiolate nas perebas de sua incapacidade de se relacionar, que joga pó de sulfa no furúnculo de sua falta de vontade em finalmente crescer e dizer estou dentro, vamos nessa. Juntos. O dodói trata com mercurocromo a depressão. Acha que basta. Depois assopra e se diz, baixinho , “passou, passou”. Contra os males da covardia, balas de permanganato. Já tem mais de 30 anos, barba na cara, grana no bolso. Ao contrário dos adolescentes acima dos 25 que não desgrudam da casa dos pais, o dodói saiu de casa mas não deixa que saia dele a casinha-lego onde trancou os sentimentos. Pode até escrever profissionalmente para jornais e publicidade, mas não consegue redigir uma linha da carta de compromissos que o consolidará namorado, marido, amante, ou o mais que seja de aposta na vida dela. Aplica todos os verbos no tempo do talvez, na conjugação do quem sabe. Por mais carioca que esteja, não teme a bala perdida, nem ser atropelado por uma bicicleta na calçada. O dodói escorregadio foge é do pé na bunda, esse aprendizado fundamental na vida de qualquer macho, o momento decisivo em que os homens se separam dos meninos — ou não. Ele não sacode, não sai de cima, não tem ciúme, não tem vontade de jogar um copo de cerveja quente na cara da traíra fria, não disputa o amor imp ossível, não sente falta de ar na presença de ninguém, e se você pergunta por uma decisão, ele responde que, bem, desculpa, está confuso. O dodói pede desculpas à mulher o tempo todo. Não foi por mal, não foi por bem, e jura que a quer feliz, só não pode, desculpa, ajudar. É o homem estragado pela insustentável leveza de ser dos romances modernos. Dodói não lê Tolstói, por profundo demais. Só quer das rimas as que não estejam em “El dia que me quieras”. Nada de versos sobre paixões arrebatadas em que o amor viril de um homem por uma mulher possa soar como aventura e trazer conseqüências fora de controle. Quer distância das cicatrizes, das navalhadas, das cartas anônimas, das loucas passionais, do telefone tocando mudo na madrugada, do coração aos pulos, do formicida com guaraná ou de qualquer um desses boleros fora do hype da voga cool Os riscos do amor estão por fora da nova ordem mundial — e o dodói pede desculpas por ser tão frágil. Promete deixar a sua vítima em paz, mas de vez em quando aparece e ronda a infeliz. Por nada. Só quer ver como anda o dodói que provoca na alma alheia.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

sábado, 1 de setembro de 2007

Um brinde às cariocas em SP

E minha homenagem a Guta, a primeira à direita, pelas palavras carinhosas (todas nós reinamos no coração daqueles moços da ECO, mas Guta foi uma das grandes musas) em seu blog migrantedigital.blogspot.com
Internautas, para se atualizarem, passeiem por lá.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Os silêncios da fala (pelo meu aniversário)


São tantos
os silêncios da fala
De sede
De saliva
De suor
Silêncios de silex
no corpo do silêncio
Silêncios de vento
de mar
e de torpor
De amor
Depois, há as jarras
com rosas de silêncio
Os gemidos
nas camas
As ancas
O sabor
O silêncio que posto
em cima do silêncio
usurpa do silêncio o seu magro labor.
(Maria Teresa Horta)

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Do Grande e do Pequeno Amor

«O meu amor por ti, às vezes, não é mais do que uma ruína, uma ruína onde estremeço de frio. Mas prefiro estremecer por causa de ti do que procurar outra paisagem.»
«Andas a dormir com alguém?»
«Já não, encontro-te sempre, até nos corpos das outras me farto de ti, o meu amor por ti é tão banal e absoluto que está em todos os corpos, entendes?»
«Perfeitamente. Como é que vamos resolver isto?»
«Porque é que temos de resolver isto? Talvez este amor, esta coisa nossa, seja uma guerra como essas que tu estudas, infinitas, com o sangue e a paz entremeados. E páginas em branco.»
«Somos os dois muito maus na questão das páginas em branco. Se reparares bem é isso.»
«Talvez eu não goste de reparar bem. Acho até que é por isso que preciso de ti; para me irritar contigo porque reparas sempre em tudo o que me escapa.»
«Achas que ainda teremos medo de viver juntos daqui a vinte anos?»
«Não sei. Sei que nos arrependeremos se não tentarmos. Mas não consigo perder o medo.»
«Não tens de perder o medo. O medo faz parte do que somos os dois.»
«Nunca te esqueces de mim quando tens prazer com outras pessoas?»
«Não, e aí está uma coisa difícil de te perdoar.»

(Inês Pedrosa e Jorge Colombo)

O não-amor

Às vezes me pego cheia de pudores para escrever coisas sobre sentimentos, apesar de este blogue ter começado como o diário das 1.200 horas para me curar de um pancadão na cabeça, no tronco e nos membros. A maioria desse tempo foi parar no rascunho, porque ninguém merece chororô alheio, mas ainda há muitos minutos espalhados por aqui de tristeza e emoção. E nessas coisas de ter vergonha de escrever, mas não ter de falar, surgiu a expressão "não-amor" na conversa em um skype capenga.

O não-amor é o amor micareta, fora de época, dos senões, dos desencontros. Um ama e o outro, também. Só que não da mesma forma. Um ama para namorar e o outro, para admirar. Um ama já, o outro tem que descasar. Um quer ir para o motel, o outro prefere passar o tempo em conversas e gargalhadas amigas. Um adora viajar e o outro só pode ficar.

O não-amor não vira a página e o seguir adiante é sempre olhando para trás, com preocupação e raiva das não-realizações quando tudo poderia ser perfeito. Por isso, você purga suas lembranças dobradas, amareladas, guardadas dentro de caixas ilusórias de papelão ou de entrada de mensagens - elas ficarão lá para sempre porque não houve nem haverá motivos para eliminá-las. É quase o "amor contrariado" do García Márquez. Quase. Para ser, precisava provocar sobressaltos, e não tristeza e pena.

sábado, 18 de agosto de 2007

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Ah, os poetas portugueses

Os Silêncios

Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo
Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo
Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo
Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo.

(Maria Teresa Horta)

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Instantes














Espera (Eugénio de Andrade)

Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.
Até que uma pedra irrompa

e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

domingo, 12 de agosto de 2007

Maneiras (Zeca Pagodinho)


Se eu quiser fumar eu fumo,
Se eu quiser beber eu bebo
Pago tudo que consumo com o suor do meu emprego
Confusão eu não arrumo, mas também não peço arrego
Eu um dia me aprumo, pois tenho fé no meu apego
Eu só posso ter chamego, com quem me faz cafuné
Como o vampiro e o morcego é o homem e a mulher
O meu linguajar é nato, eu não estou falando grego
Eu tenho amores e amigos
De fato tá tudo errado nos lugares onde eu chego
Eu estou descontraído, não que eu tivesse bebido
Nem que eu tivesse fumado pra falar de vida alheia
Mas digo sinceramente, na vida, a coisa mais feia
É gente que vive chorando de barriga cheia
É gente que vive chorando de barriga cheia

sábado, 11 de agosto de 2007

Maternidade da cadela do Zé José


Repare que a Matelda adotou uma bonequinha de Hello Kitty. Segundo o Zé, ela prende o brinquedinho com a pata para fingir (ou acreditar) que amamenta. Por que não deixam a bichinha emprenhar? Ô, tristeza...

Que cada um cumpra o seu dever

Não é um post sério, não. Na verdade está mais para aquele blog/comunidade Homem é Tudo Palhaço. Mas essa veio de querido, comprometido, é claro. A gente releva com ressalva.
Madrugada de bebedeira total hoje. Caí no sofá e semi-adormeci. Galera que foi comigo queria ir embora. Ele se aproximou. Uns apertos aqui, uma massagem ali, um selinho e a frase ao pé-da-orelha: vai não, fica aqui. Mesmo desmaiada veio a luz. So sorry, já vi esse filme. Fui. Tropeçando em ventos.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Pra Cris


Você me lê?


Palavras minhas e de outros que me tocam são jogadas aqui. Quem as lê? Vejo comentários de amigos e de desconhecidos que entraram por acaso ou curiosidade. Gosto de todos. Queria ver essa gente, tocar, ouvir. Gosto das palavras. Sofro com as palavras. Vivo com as minhas palavras. Durmo com as palavras dos outros. Há palavras que se repetem: umas cansam, outras encantam. Existem ainda fervilhando em mim as que nunca mais li ou ouvi, aquelas que migraram do coração para a eternidade das nanocaixinhas onde guardamos os instantes. Mas as palavras são chapadas. Elas me divertem até o ponto em que eu tento pegá-las e não posso. Faço, então, um beiço infantil e fico sonhando com os cubos de madeira de A a Z.
E lá vem a Clarice. "O que te escrevo não tem começo: é uma continuação. Das palavras deste canto que é meu e teu, evola-se um halo que transcende as frases, você sente? Minha experiência vem de que eu já consegui pintar o halo das coisas. O halo é mais importante que as coisas e as palavras. O halo é vertiginoso. Finco a palavra no vazio descampado: é uma palavra como fino bloco monolítico que projeta sombra. E é trombeta que anuncia."

terça-feira, 7 de agosto de 2007

...

Senhor, dai-me paciência...

E se fosse a sua filha?

Dia desses, uma amiga me ligou enfurecida, reclamando que estava sendo tratada como "comidinha" do moço lá com quem sai. A história deles havia começado num bar. Ele olhou pra ela, foi atrás, pediu o telefone. Ela até pensou em dar o número errado, mas foi só um pensamento, quem sabe intuição. Ele ligou, passaram a sair. Da apatia inicial, minha amiga entrou em um estado de enternecimento, encantamento, quase paixão. O moço é bom no que faz.
Não precisou muito para ela reparar que ele não a levava para sair com os amigos dele (olha que ela é bonitona). Começou a furar programinhas básicos, tipo cinema, passeio, e não queria muito contato com a família dela. Só não furava os dias de lesco.
Um amigo dela disse que o moço voluptuoso nunca havia prometido nada, muito pelo contrário, tinha sido claro ao escrever em e-mail sobre uma história de "meu mundo, seu mundo", "gosto de parte sua, mas outra ainda não consigo digerir", coisas assim. Isso quando tentava ser racional. Na paixão, mandava fotinhas, torpedos amorosos, seduzia o tempo todo - apesar da "outra parte" dela, da qual não queria nem chegar perto, como se ela pudesse arrancar pedaços invisíveis de si, libras das suas vivências, sem deixar de ser quem é.
Minha pergunta para homens assim é: e se fosse com sua filha, sua mãe, sua irmã?
Como será que esses tipos iriam se referir a um sujeito que ignora a sutileza dos sonhos dos outros? O mundo é só dividido entre os espertos e os manés? A mulher - ou o homem - que se envolve com indicações de romantismo é apenas otária(o)? O sonhador é um idiota?
Ando meio cansada desse egoísmo emocional.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Sophia de Mello Breyner Andresen

A paz sem vencedor e sem vencidos


Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos

domingo, 5 de agosto de 2007

Por que Cris



Cris, do BlogTalk e responsável pela minha entrada no universo blogueiro ("escreve para aliviar, mulha", incentivou ela em um dia de desespero), é essa bonitona que autografa seu primeiro livro "Por que Heloísa?", infantil, em São Paulo. Mãe de uma menina com paralisia cerebral que é sua cara, Cris se baseou no dia-a-dia de luta contra um mundo, um país, uma cidade, uma rua, um transporte que jogam totalmente contra os deficientes. Isso sem falar dos preconceitos, mas não enveredo por aí.
Sua história é de amor e força (haja força física!). E vitória. Não dá para competir com ela nem nas coisas legais nem nas horríveis. Cris é tudo. Nós nos conhecemos há 25 anos e aprendi muito sobre diferenças e particularidades com ela. Vivemos há tempos em cidades diferentes e sabemos que isso não altera a amizade. Amigos abrem sua casa, seu tempo, suas verdades para os amigos. Amigos chamam à realidade, bronqueiam, não deixam a dor apagar a lucidez. Chamam de esquizofrênicos e de queridos. Nem sempre damos ouvidos a eles, mas também não temos como culpá-los. E amigo que é amigo não diz: "Eu avisei". Eles sabem que a gente sabe que eles sempre avisam.
P.S.: Cris, acho que meu link não deu certo. Ou você é péssima professora ou eu sou uma anta.
P.S2.: A foto aí é do nosso querido Suely, nascido Carlos Vieira.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

O gato de Cheshire



- Poderias dizer-me, por favor, que caminho hei de tomar para sair daqui?
- Isso depende de onde queres chegar! - respondeu o gato.
- Não interessa muito para onde vou... - retorquiu Alice.
- Nesse caso, pouco importa o caminho que tomes - interpôs o gato.
- Desde que chegue a algum lado! - acrescentou Alice.

ORACIÓN DEL PEREGRINO

Paz del alma dolorida, Cristo de El Pardo yacente, déjame posar la frente de tu Costado en la herida. De la cuesta de la vida vengo cansado, Señor, y abrumado del dolor de mis pasados errores. Dulce Amor de los amores, dame a gustar de tu amor.
Hoy llego a Ti, peregrino en busca de tu perdón. Con mi andariego bordón te hallé, al fin, en mi camino. Al volver tras mi destino, sólo te pido, Jesús, que, al irme yo con mi cruz, dejes contigo encerrado mi corazón perdonado, antes que expire la luz.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Os sub-30

Não sou pedófila. Já amei mais velhos, mais novos e da mesma idade. Mas tenho muitos motivos bons para concordar com Nelson Rodrigues: as mulheres têm que amar os bem mais novos por um tempo. Eles são audaciosos, não sabem o que é conseqüência. Sempre têm pressa para o amor e o desejo, assim como a fome, é enorme.
Trazem menos bagagem, um sorriso mais sincero, um cheiro mais forte, um beijo mais longo, uma pegada mais instintiva ou primitiva, vão mais fundo, famintos que sempre estão. E sorriem a cada milímetro de conquista e com a diversão que é fazer amor.
Consolam mais porque se desnorteiam com a dor, que ainda não entendem bem. Não se importam muito sobre o motivo do choro, só querem que passe logo. Conversam sobre árvores e aventuras. Lêem o mundo sem confusão; não filosofam, apenas descobrem.

Nelson Rodrigues

"As mulheres só deviam amar meninos de 17 anos"

Depois explico por quê.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Mário de Sá-Carneiro

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tude se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa.
Se ao menos eu permanecesse aquém…

terça-feira, 17 de julho de 2007

Triste


Novo acidente aéreo. Que coisa doida. Pensei em falta de sorte, pensei em irresponsabilidades, pensei em falta de estrutura, pensei em um monte de gente que poderia estar no vôo. Meu coração descompassou. Tristeza, raiva e impotência. Uma bola de fogo lá, e eu estou ardida aqui. Dois lexotans no mercado paralelo. Sempre há um mercado paralelo para o que quer que seja. O mercado paralelo já me deixou sem sangue. Cadê os responsáveis por essas dores todas?

Rádio JB no táxi

"Depois de ter você, poetas para quê?
Os deuses, as dúvidas...
Pra que amendoeiras pelas ruas?
Para que servem as ruas...
depois de ter você?"

sexta-feira, 13 de julho de 2007

DO TALMUD

(O Talmud é um livro onde se encontram condensados todos os depoimentos, ditados e frases pronunciados pelos rabinos através dos tempos)
"Cuida-te quando fazes chorar uma mulher, pois Deus conta as suas lágrimas. A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés para ser pisada, nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual... debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para ser amada".

Play it again, Sam



AS TIME GOES BY

You Must Remember This
A Kiss Is Still a Kiss
A Sigh Is Just a Sigh
The Fundamental Things Apply
As Time Goes By
And When Two Lovers Woo
They Still Say I Love You
On That You Can Rely
No Matter What the Future Brings
As Time Goes By
Moonlight and Love Songs
Never Out of Date
Hearts Full of Passion,
Jealousy and Hate
Woman Needs Man
And Man Must Have His Mate,
That no One Can Deny
It's Still the Same Old Story
A Fight For Love and Glory
A Case of Do Or Die
The World Will Always
Welcome Lovers
As Time Goes By

sábado, 7 de julho de 2007

É CAMPEÃO!


O meu, o seu, o nosso Cristo Redentor, aquele que aponta para uma das minhas janelas, aquele que vi muito deitada na cama do meu paraíso, é uma das Sete Maravilhas do Mundo.

domingo, 1 de julho de 2007

Meu consolo é Graham Greene

A perda, o luto, a mágoa, tudo eclesiástico: "Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, e tempo de curar". Um tempo determinado por nós mesmos. Se estendemos o processo, não queremos abrir mão do que nos faz sofrer. A tristeza insuperável é o único elo com o que não optamos por perder, mas que se foi à revelia do nosso desejo.
Entendi isso. Obrigada, Freud. Venho me analisando diariamente para pelo menos o prumo não perder. Chega, não? Minha dor, as lágrimas e a necessidade de consolo - meu mesmo ou de poucos outros - diminuem. Reconheço, porém, que contei com a ajuda do que não vejo, de epifanias, para quem acredita, palavras que apareceram em buscas inconscientes de analgésicos espirituais.
A racionalidade às vezes derrapa no masoquismo, naquela vontade de sofrer para cultivar o objeto da dor. Então, por isso mesmo, revi em DVD "Fim de Caso", adaptação do diretor Neil Jordan para romance de Graham Greene. Assistir ao filme foi como jogar na mega-sena acumulada, quando temos certeza de que não vamos ganhar a bolada, mas passamos horas, dias até, fazendo planos com aquela grana toda - diz uma amiga que temos que jogar logo que acumula, porque se apostarmos no último dia o sonho já sai caro, mesmo para um cartão de R$ 1,50.
A adaptação é belíssima, e os diálogos, bênção para corações partidos. Em vez do rasteiro "ele não te quer mais, senão te procurava", o melífluo "não se precisa ver para amar, afinal as pessoas não vêem Deus e o amam". O filme permite ainda sonhar que as paixões sobrevivem não só nos que levaram o toco, mas também nos que deram, por anos; que o toco não é o fim do caso; que o toco pode ter um motivo nobre; que o 'toqueiro' sofre, às vezes, mais que o 'tocado'; e que as segundas chances são dadas, mesmo que por um breve período, por Deus. E no fim, se tudo for um desengano só, você pode culpar o Senhor e pedir-lhe que se afaste para sempre. Simples assim.

Uma arte



A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
- Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

Elizabeth Bishop (Tradução de Paulo Henriques Britto)

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Resposta à flor

Flor, o que eu quis dizer é que estou fragmentada, não sou unidade, estou esfarrapada e arrasada. E isso às oito e meia da manhã. Acordei às cinco com falta de ar, depois, às sete. Por enquanto, só vejo o próximo segundo à minha frente como sendo de uma dor insuportável. Não quero doer, não quero. Dor não é normal, não pode ser. Dor normal é a dor do parto, a dor do milagre da vida. A que sinto não tem milagre nem vida, é dor de adeus, é dor de conviver com a ausência, é dor de estar descarnada, sem nada poder fazer.
Estou sofrendo pela falta de um grande amor, falta absoluta e total, nem as palavras me restaram. Estou sofrendo pelos argumentos implacáveis que me foram apresentados na hora do toco, no dia 31 de maio. Sei que vai passar. Sei que tudo será lavado. Sei que meu corpo vai cansar de sofrer. Tudo isso à minha revelia. É assim e acabou.
Concordo com você sobre a ratoeira. Eu sabia dos riscos, tive medo, tanto que avisei a ele que eu iria me estrepar, e ele me disse que seguraria a minha mão para me ajudar. Claro que não foi assim. Quando há problemas, todo mundo quer livrar sua pele. Eu entendo. Usou a mão que me dava para se segurar inteiramente. Eu ainda estou em queda livre, rumo ao extremo Sul, que você mencionou. Vou lá conversar com o coisa-ruim, até voltar, como Orfeu, da longa jornada: em segurança, sim, mas de mãos abanando.
Enfim, queridona, tenho que seguir em frente, eu sei. Só peço máxima vênia pela situação. Preciso de ajuda para não enlouquecer na dor da falta que ele me faz. Peço ajuda para não perder a minha dignidade, para não meter os pés pelas mãos, para não cair na sarjeta.
Você é maravilhosa, uma grande querida, uma pessoa em quem confio nas palavras, no discernimento, na sabedoria.
Um beijo grande e bom dia.

E-mail de uma amiga sábia

Mulher,
Andei lendo teu blog, e não consegui resistir. Aponte um ser humano - unzinho só -, de Jesus Cristo a George Bush, freira ou puta, gênio ou bucéfalo, que não seja tão simplesmente o teu patchwork, os tais retalhinhos de lembranças. Ando meio Pollyanna, mas a questão é que ando me convencendo de que só por isso, só por sermos um receptáculo quase sagrado de memórias que vamos acumulando e transmitindo pela vida, pros nossos amigos queridos, pros nossos filhos, qual antenas bêbadas, é que essa lida vale alguma pena - no nosso caso específico, ainda tem o raio do leitor.
Não tivesse eu descido ao inferno e, depois de anos, ter decidido voltar à superfície dos mortais (a escalada ainda não acabou, como bem sabes), eu jamais poderia ter a convicção que hoje tenho ao te dizer que isso vai passar. Não tivesse trazido em si nenhum outro aprendizado sobre minha própria alma, a jornada ao extremo Sul em companhia de um traste já teria valido só por hoje eu poder dizer à amiga querida que agora chora, sem nenhuma dúvida, plagiando lá o amigo do Rei Davi, "isso também vai passar".
Vai passar como passa cada segundo. E digo isso com a constatação de que aquilo que me ia no coração ao começar a te escrever esse e-mail já não vai mais. Já estou no terceiro parágrafo e me dou conta nesse exato momento de que o relato que fiz no segundo parágrafo me remeteu a um monte de lembranças que me atropelam agora. Lembranças de uma dor em estado puro; de uma dor no corpo e na alma; de uma dor que não tem nome, nem forma; de uma dor que levou meses pra parar de doer; de dor, só dor, que, adivinhe?, passou. Não passou ainda o que processei a partir disso, é verdade.
Vai passar como passaram aqueles momentos absurdos que vivemos quando ainda não sabemos que coisa é essa de ser mulher; quando não sabemos por que diabos nosso corpo sangra, todo maldito mês, sem que a gente tenha feito nenhuma travessura; quando não sabemos direito o que fazer com aquela língua que nos invade a boca no primeiro beijo; quando não sabemos direito como é que é essa história do sujeito enfiar um pedaço do corpo dele no corpo da gente. Vai passar como passou a dor de quando sofremos de amor pela primeira vez e temos a certeza absoluta de que o mundo vai acabar.
Dá licença, agora, amiga, mas não temos mais o direito de achar que não sabemos com o que estamos lidando. Sabemos exatamente que aquele queijinho bacana, amarelinho, furadinho, igual a de desenho animado, estava num raio de uma ratoeira. O que temos que precisamos fazer agora é buscar na alma por que diabos sempre ignoramos a ratoeira só pelo prazer de pegar o tal queijinho ou, se Deus existir, encontrar algum queijinho fora do raio da retoeira.
O problema é que isso também vai passar, de novo plagiando o amigo do rei, como passaram momentos deliciosos, daqueles de nos trazer lágrimas aos olhos quando lembramos ou daqueles de matar os amigos de rir quando contamos.
Agora, já no sexto parágrafo, me lembro de uma noite, eu, sozinha, na Ilha de Capri, num hotel encarapitado na encosta à beira da Baía de Nápoles, bebendo vinho, Sinatra no ouvido. Não amava ninguém, não tinha saudade de ninguém. À minha frente, o mar, enorme, e uma tempestade caindo sobre Nápoles, com raios despencando na cidade. Isso, à direita. Porque à esquerda o sol se punha, displicente, em céu de brigadeiro, rosa, rosa, como se não fosse com ele. Era uma tempestade localizada, como costumam ser as tempestades. O melhor de tudo é que isso me veio à cabeça agora, imediatamente depois de eu ter passeado pelo primeiro amor errado e pelo meu passado no inferno. Explicação, não tenho. Só sei que foi assim, como diria o Chicó do bom Suassuna. Seqüelas? Acho que não. Prefiro chamá-las de... é..., bem..., não sei bem como chamá-las.
O que ainda não passou, amiga, é o que virá no segundo seguinte. E, pra piorar, no momento exato em que eu escrevia "momento seguinte", ele já não existia mais, já tinha se transformado imediatamente em momento passado, em memória, em parte do meu próprio patchwork, que vou exibindo aí pelos botequins, pela minha narrativa, pela força da grana que ergue e destrói coisas belas... ih, me empolguei. Enfim, babe, é simples e óbvio assim.
Não vou encerrar com um discursozinho patético sobre a esperança no que virá - "virá, que eu vi", diria o baiano metido a Einstein (ih, é a segunda referência a Caê, ando péééééssima). Mas, na boa, confessa com tua boca que a nossa absoluta falta de informação sobre o próximo segundo, o que está imediatamente à nossa frente, o que ainda não veio e o que ainda não virou memória, não constitui o que de mais sagrado essa lida nos dá?
Cuide-se. Tô aqui a qualquer hora.
Beijo grande.

domingo, 24 de junho de 2007

Tudo como dantes (tá ficando chato)

Na rodada diária de consolos, ouvi um tristíssimo: "Tem uma hora que o corpo cansa de sofrer e você esquece". Pois é, impotência pura. Deixa que o tempo se encarrega, nada está nas suas mãos. O corpo arqueia cansadíssimo, sem relaxar nem esquecer por enquanto. Admito que muita coisa está mudada, mas a visão que tenho de mim é a de um trabalho de patchwork - retalhinhos de lembranças, objetos, sons, cheiros e sabores.

A sensação de solidão mesmo entre amigos amados é de enlouquecer. Eles cantam, embalam, ritualizam as exéquias, direcionam os lamentos, sofrem e xingam com e por você. Queridos que dão as mãos. Mas é verdade o que está escrito embaixo: a água dos olhos nunca tem sono. Quando eles se distraem, a dor toma conta, e não há analgésico. É apertar os dentes, enrijecer a musculatura e esperar passar. Pergunto ansiosa quais serão as seqüelas, porque nada dói tanto impunemente.

E, sobre as passagens dos passamentos, aí vai uma historinha. Conta uma lenda que, um dia, o rei David pediu ao joalheiro real que lhe desenhasse um objeto que fosse útil tanto na adversidade quanto na prosperidade. Sem idéias, consultou-se com um sábio, que lhe disse para fazer um anel e nele escrever as palavras "isto também passará". Dessa forma, quando a vida fosse um mar-de-rosas, a jóia evitaria que o rei ficasse muito cheio de si e, portanto, vulnerável aos baques. Porém, quando uma tragédia o atingisse, contemplaria a inscrição e apenas esperaria.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

No dia de Santo Antônio

Ele faz falta. Agora, nem tanto para o beijo e o amor, mas pelas palavras alegres, incompatíveis com seus olhos melancólicos. As palavras nos uniram e nos traíram, e o que existe é o que ele chama de silêncio ensurdecedor. Consola-me saber que essa angústia não é unilateral. Ele sofre. Identifica-se com versos como “afundar obstinado o desejo”, “passos sobre o cinzento caminho”. Sim, sofre. E como não sofrer? Faço-lhe falta. Faz-me falta.
Fui só objeto de desejo? Não sei, mas é bom sentir o desejo de um homem, vê-lo irracional, sem pragmatismos, sem resistências, bicho solto buscando só prazer. Dar e ter.
Minha casa parece um santuário de Santo Antônio. Velas rosas, azuis e roxas colorem os cômodos. Apelo para tudo porque quero esquecimento, quero de volta alegria e paz. Eu e Claudia coletamos simpatias para atrair o bom, abrir as portas para o novo. Muito mel, maçã, fitinhas. Nada de maldade tipo tirar o jesusinho do colo do santo nem afogar nem pôr de cabeça pra baixo. Somos só coisas boas. Queremos saúde e menos trastes nos nossos caminhos.
Ontem, fui receber a bênção no convento porque hoje é dia de folguedos e estará lotado. Chorei. Não é a primeira vez que choro nessa igreja, a energia dos devotos impressiona e até os menos sensíveis se emocionam. Há paixão e fervor que grudam em você. Saí de lá ressuscitada, entendendo o sentido dos milagres.

sábado, 9 de junho de 2007

Cuidado ao pisar, são meus sonhos


He Wishes For Cloths of Heaven
W. B. Yeats

Had I the heavens’ embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Recaída ao início da tarde

Y qué haremos con este amor que aún nos queda;
el que es necesario enterrar, com humor y coraje?
El dolor, según dicen, pasa pronto;
la vida, em cambio, habrá de concedernos la impossibilidad
de más daños, dulce daños.

(Juan Gustavo Cobo)

Rubro-negra homenageia

A tristeza vem me impedindo de muita coisa, uma delas é de atentar direito para o mundo, porque voltei meus olhos estrategicamente para mim. Tenho que reconhecer, no entanto, que não dá para não perceber a cidade mais colorida, mais verde e mais uma cor esquisita, que não é bem um vermelho, é meio um vinho. Os aristocratas tricolores a chamam de bordô.
Fui Fluminense até meus cinco anos. Agora sou Flamengo até morrer. Mas tenho um carinho especial por esse time. Meu irmão me levava ao Maracanã para ver os jogos, cheguei a usar a camisa da cor estranha, para evitar a transparência da minha blusa branca debaixo de uma chuva terrível, numa decisão Fu X Vasco, creio que em 80 - ou 81. Namorei tricolores. Muitos dos meus amigos que mais me aconchegam torcem pelo Flu. Então, em homenagem a eles, e para evitar que este blog vire um muro de lamentações sentimentais, reproduzo texto do Garamblog, do tricolor chato, escritor bacana (leiam 'Eu, Deus') e amigo querido Sidney Garambone.

E o Fluminense?
Quinta à tarde o Brasil mais jovem entendeu o que é o Fluminense. E o Brasil mais velho lembrou quem era o Fluminense. As imagens do estádio das Laranjeiras. Ou de Laranjeiras para os cariocas, pois no Rio o bairro que já foi fazenda de laranjas não é conhecido como “as Laranjeiras”. Simplesmente mora-se em Laranjeiras.
As imagens da torcida ocupando o gramado, como um MST polido e educado, dividindo em lotes a intermediária, meia-lua e grande área. Pulando, pisando, levando grama para casa.
Os jogadores eram detalhes. O treinador era um detalhe. Como algum quadro impressionista, as pinceladas misturaram na foto torcida, atletas, cartolas e cimento.
Cimento antigo, secular, que já viu todos os times grandes brasileiros jogando contra o Fluminense antes e depois do Maracanã. Já viu Seleção e jogo de Terceira Divisão. Timinho e Timão.
Laranjeiras, por um dia, voltou a ganhar os holofotes do Brasil. E os torcedores tricolores também. Não foi vitória heróica. Hoje, com calma, fica mais fácil entender o jogo em Florianópolis. O Figueirense se preparou para tudo, menos para um gol de Roger. Ninguém se preparou para o gol de Roger.
Só Roger.
A torcida levou um nocaute daqueles. Mário Sérgio também. O time então, nem se fala. Não foi uma pressão daquelas que a gente conhece bem. Não houve defesa milagrosa, como querem os assessores de imprensa. A juventude do Figueirense pesou. E o resto, o vizinho Gustavo Poli já descreveu de forma rodriguiana.
O avião decolou e pousou em outro ícone carioca do passado. O aeroporto Santos Dumont. A festa começou lá e acabou no velho estádio da rua Álvaro Chaves. Time centenário, com mais títulos cariocas, o Fluminense virou o século se reinventando.
Sem champanhe.
Mas com muito Bordeaux, da cor da camisa.

Tu és tudo, Suassuna

Estou aqui escrevendo viciadamente por influência de Cristiana, do Blogtalk, uma total junkie da Net. Ontem, mandei um e-mail para ela, culpando-a pelo resto da minha vida por mais essa compulsão. De repente, me dei conta: tenho 42 anos, pela expectativa de vida das pesquisas divulgadas pelo meu querido Bello, do IBGE, devo viver mais uns 40... Ai, meus sais... Não quero mais uma vida inteirinha pela frente, não. Ainda mais lembrando de tudo, ou quase tudo - isso vai depender da quantidade de copos esvaziados.
Cris, sábia, me falou do escritor Ariano Suassuna, um patrimônio nacional. Em recente programa na TV, Suassuna, no turbilhão das comemorações pelos seus 80 anos (próximo dia 16), se mostra surpreso: "Imagina o que não vão fazer nos meus 160!" Conversamos sobre Suassuna, nascido na Paraíba, mas morador de Recife desde a adolescência. Defensor da cultura nacional, suas obras já foram traduzidas para inglês, francês, alemão e até polonês, ele, porém, nunca saiu do Brasil. As explicações estão aí, numa entrevista a dada à Folha de S. Paulo, em 2003:

Folha - Você nunca viajou para fora do Brasil. Por quê?
Suassuna - É por isso que sou um viajante imaginário, como o narrador do meu romance. Não tenho que viajar, não. Conheço a Rússia melhor do que muito russo, através simplesmente de Dostoiévski, Gogol e Tolstói.
Folha - Certa vez uns colegas queriam mandá-lo para a França...
Suassuna - Foi, foi. Eles conseguiram uma bolsa do governo francês para eu estudar. Quando já estava quase tudo preparado, um deles disse: você tem que ir, porque um escritor brasileiro não conhece o Brasil se não fizer um curso na Europa. Aí eu disse: pois eu não vou mais, não. O gringo que quiser me conhecer agora tem que vir aqui, porque eu não vou lá. Eu era muito jovem quando disse isso, e não é que não se cumpriu, isso? Eu não fui lá e tem gringo que vem por aí para falar comigo. Esse orgulho eu tenho.
Folha - Existe algum país que você gostaria de conhecer?
Suassuna - Se Portugal e Espanha fossem ali em Alagoas, eu iria. Mas são muito longe.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Vaca, muito prazer


Sou uma vaca bizarra. Só assim mesmo para não pensar em auto-estima numa hora dessas e postar musiquinha de amor. Dane-se, tô frágil, o blog é vávula de escape e aí vai:


Quase um segundo

Eu queria ver no escuro do mundo
Onde está tudo o que você quer
Pra me transformar
No que te agrada
No que me faça ver
Quais são as cores e as coisas
Pra te prender?
Eu tive um sonho ruim
e acordei chorando
Por isso eu te liguei
Será que você
Ainda pensa em mim?
Será que você ainda pensa?
Às vezes te odeio
Por quase um segundo
Depois te amo mais
Teus pêlos, teu gosto, teu rosto, tudo
Que não me deixa em paz
Quais são as cores e as coisas
Pra te prender?
Eu tive um sonho ruim
e acordei chorando
Por isso eu te liguei
Será que você
ainda pensa em mim?
Será que você ainda pensa?

Sou que nem cangambá: não corro nem dou lugar

Em Paragominas, uma cidade a 300 quilômetros de Belém, vive uma mulher que foi abençoada pela sabedoria do empirismo, da observação. Não crescesse, casasse, tivesse filhos, netos e bisnetos analfabeta, Dona Raimunda Nonata seria poeta de livro, suas palavras estariam espalhadas por aí.
Raimunda não foi para a escola porque seu pai achava que ela queria aprender a escrever para mandar cartinhas de amor aos moços. Tinhosa, mostrou que toda dominação é burlada facilmente. "Eu sou que nem cangambá: não corro nem dou lugar", definiu-se. Ela não se alfabetizou, mas pediu a amigas que escrevessem as cartas sapecas a quem desejasse que a cortejasse.
No ano passado, aos 93 anos, apesar do glaucoma e da catarata, entrou pela primeira vez na vida em uma sala de aula. Voz alegre, justificou: "Quero ler o mundo e ter menos bocas faladas". Raimunda não estava cansada das pessoas, nem nada, queria mesmo era o silêncio reflexivo, só desejava brincar sozinha com o seu pensar.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Eu só quero é ser feliz...




Duzentos e quarenta horas sem voz, sem letrinhas, sem carne. A falta dele esmaga, altera a vida. Desabafo minha angústia em preces solitárias no altar que imagino na minha cama. Há todo um método. Janela aberta, luz, santinhos em ordem: Santa Rita, São Judas Tadeu, Santo Antônio, Nossa Senhora Desatadora dos Nós, São José. Meus deuses, o que faço com essa saudade toda? A religião sempre esteve presente em nossas trocas. A última frase que ouvi dele: Deus te abençoe. Religião, do latim re-ligare, religação. Não dá, não.


Lamento a minha coitadice. Dez dias de condenada, sofrendo com o encarceramento dos sentimentos, riscando pauzinhos na porta do quarto, imaginando quantos serão necessários para a paz que trazem o esquecimento e o desapego. Estabeleci como meta de cura 1.200 horas, menos de dois meses, acho que está de bom tamanho para a tristeza. Processo rapidamente todos os sentimentos. Tenho dormido, em média, três horas e meia. Também não como direito porque ainda rumino suas palavras pesadas.


Ele me pediu a liberdade como prova de amor. "Se eu amo alguém, quero que seja feliz mesmo longe de mim". É isso que estou fazendo, é a minha prova de amor a ele, a prova de amor que ele não soube me dar quando tantas vezes, antecipando esse desfecho siberiano, pedi que me deixasse sair em paz da relação. Ele sempre voltava com músicas, declarações, ligações na madrugada. Agora entendo por quê. Não era amor, mas uma variação disso sem nome.


Choro na rua, no quarto, no trabalho, no banho (muito no banho, pelo desamparo da nudez e pela água). O caminho para chegar ao jornal é uma maratona de recordações. Se vou pelo Túnel Santa Bárbara, passo em frente ao prédio dele, e, se não der a sorte de o sinal estar fechado, na porta do Snob - tão freqüentado por nós, que a recepcionista até nos dava a chave do mesmo quarto, sem perguntar nada. Pela Mem de Sá, pago mais caro e me encho de saudade do cabrito do Capela. Tudo ficou para trás, mas carrego as lembranças como um rabo, não consigo arrancar, fazem parte do que eu sou.

JUNTOS LOS DOS

Juntos los dos reímos cierto día...
¡Ay, y reímos tanto
que toda aquella risa bulliciosa
se tornó pronto en llanto!
Después, juntos los dos, alguna noche,
reímos mucho, tanto,
que quedó como huella de las lágrimas
un misterioso encanto!
Nacen hondos suspiros,
de la orgía entre las copas cálidas
y en el agua salobre de los mares,
se forjan perlas pálidas!
(José Asunción Silva)