quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Os silêncios da fala (pelo meu aniversário)


São tantos
os silêncios da fala
De sede
De saliva
De suor
Silêncios de silex
no corpo do silêncio
Silêncios de vento
de mar
e de torpor
De amor
Depois, há as jarras
com rosas de silêncio
Os gemidos
nas camas
As ancas
O sabor
O silêncio que posto
em cima do silêncio
usurpa do silêncio o seu magro labor.
(Maria Teresa Horta)

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Do Grande e do Pequeno Amor

«O meu amor por ti, às vezes, não é mais do que uma ruína, uma ruína onde estremeço de frio. Mas prefiro estremecer por causa de ti do que procurar outra paisagem.»
«Andas a dormir com alguém?»
«Já não, encontro-te sempre, até nos corpos das outras me farto de ti, o meu amor por ti é tão banal e absoluto que está em todos os corpos, entendes?»
«Perfeitamente. Como é que vamos resolver isto?»
«Porque é que temos de resolver isto? Talvez este amor, esta coisa nossa, seja uma guerra como essas que tu estudas, infinitas, com o sangue e a paz entremeados. E páginas em branco.»
«Somos os dois muito maus na questão das páginas em branco. Se reparares bem é isso.»
«Talvez eu não goste de reparar bem. Acho até que é por isso que preciso de ti; para me irritar contigo porque reparas sempre em tudo o que me escapa.»
«Achas que ainda teremos medo de viver juntos daqui a vinte anos?»
«Não sei. Sei que nos arrependeremos se não tentarmos. Mas não consigo perder o medo.»
«Não tens de perder o medo. O medo faz parte do que somos os dois.»
«Nunca te esqueces de mim quando tens prazer com outras pessoas?»
«Não, e aí está uma coisa difícil de te perdoar.»

(Inês Pedrosa e Jorge Colombo)

O não-amor

Às vezes me pego cheia de pudores para escrever coisas sobre sentimentos, apesar de este blogue ter começado como o diário das 1.200 horas para me curar de um pancadão na cabeça, no tronco e nos membros. A maioria desse tempo foi parar no rascunho, porque ninguém merece chororô alheio, mas ainda há muitos minutos espalhados por aqui de tristeza e emoção. E nessas coisas de ter vergonha de escrever, mas não ter de falar, surgiu a expressão "não-amor" na conversa em um skype capenga.

O não-amor é o amor micareta, fora de época, dos senões, dos desencontros. Um ama e o outro, também. Só que não da mesma forma. Um ama para namorar e o outro, para admirar. Um ama já, o outro tem que descasar. Um quer ir para o motel, o outro prefere passar o tempo em conversas e gargalhadas amigas. Um adora viajar e o outro só pode ficar.

O não-amor não vira a página e o seguir adiante é sempre olhando para trás, com preocupação e raiva das não-realizações quando tudo poderia ser perfeito. Por isso, você purga suas lembranças dobradas, amareladas, guardadas dentro de caixas ilusórias de papelão ou de entrada de mensagens - elas ficarão lá para sempre porque não houve nem haverá motivos para eliminá-las. É quase o "amor contrariado" do García Márquez. Quase. Para ser, precisava provocar sobressaltos, e não tristeza e pena.

sábado, 18 de agosto de 2007

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Ah, os poetas portugueses

Os Silêncios

Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo
Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo
Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo
Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo.

(Maria Teresa Horta)

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Instantes














Espera (Eugénio de Andrade)

Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.
Até que uma pedra irrompa

e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

domingo, 12 de agosto de 2007

Maneiras (Zeca Pagodinho)


Se eu quiser fumar eu fumo,
Se eu quiser beber eu bebo
Pago tudo que consumo com o suor do meu emprego
Confusão eu não arrumo, mas também não peço arrego
Eu um dia me aprumo, pois tenho fé no meu apego
Eu só posso ter chamego, com quem me faz cafuné
Como o vampiro e o morcego é o homem e a mulher
O meu linguajar é nato, eu não estou falando grego
Eu tenho amores e amigos
De fato tá tudo errado nos lugares onde eu chego
Eu estou descontraído, não que eu tivesse bebido
Nem que eu tivesse fumado pra falar de vida alheia
Mas digo sinceramente, na vida, a coisa mais feia
É gente que vive chorando de barriga cheia
É gente que vive chorando de barriga cheia

sábado, 11 de agosto de 2007

Maternidade da cadela do Zé José


Repare que a Matelda adotou uma bonequinha de Hello Kitty. Segundo o Zé, ela prende o brinquedinho com a pata para fingir (ou acreditar) que amamenta. Por que não deixam a bichinha emprenhar? Ô, tristeza...

Que cada um cumpra o seu dever

Não é um post sério, não. Na verdade está mais para aquele blog/comunidade Homem é Tudo Palhaço. Mas essa veio de querido, comprometido, é claro. A gente releva com ressalva.
Madrugada de bebedeira total hoje. Caí no sofá e semi-adormeci. Galera que foi comigo queria ir embora. Ele se aproximou. Uns apertos aqui, uma massagem ali, um selinho e a frase ao pé-da-orelha: vai não, fica aqui. Mesmo desmaiada veio a luz. So sorry, já vi esse filme. Fui. Tropeçando em ventos.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Pra Cris


Você me lê?


Palavras minhas e de outros que me tocam são jogadas aqui. Quem as lê? Vejo comentários de amigos e de desconhecidos que entraram por acaso ou curiosidade. Gosto de todos. Queria ver essa gente, tocar, ouvir. Gosto das palavras. Sofro com as palavras. Vivo com as minhas palavras. Durmo com as palavras dos outros. Há palavras que se repetem: umas cansam, outras encantam. Existem ainda fervilhando em mim as que nunca mais li ou ouvi, aquelas que migraram do coração para a eternidade das nanocaixinhas onde guardamos os instantes. Mas as palavras são chapadas. Elas me divertem até o ponto em que eu tento pegá-las e não posso. Faço, então, um beiço infantil e fico sonhando com os cubos de madeira de A a Z.
E lá vem a Clarice. "O que te escrevo não tem começo: é uma continuação. Das palavras deste canto que é meu e teu, evola-se um halo que transcende as frases, você sente? Minha experiência vem de que eu já consegui pintar o halo das coisas. O halo é mais importante que as coisas e as palavras. O halo é vertiginoso. Finco a palavra no vazio descampado: é uma palavra como fino bloco monolítico que projeta sombra. E é trombeta que anuncia."

terça-feira, 7 de agosto de 2007

...

Senhor, dai-me paciência...

E se fosse a sua filha?

Dia desses, uma amiga me ligou enfurecida, reclamando que estava sendo tratada como "comidinha" do moço lá com quem sai. A história deles havia começado num bar. Ele olhou pra ela, foi atrás, pediu o telefone. Ela até pensou em dar o número errado, mas foi só um pensamento, quem sabe intuição. Ele ligou, passaram a sair. Da apatia inicial, minha amiga entrou em um estado de enternecimento, encantamento, quase paixão. O moço é bom no que faz.
Não precisou muito para ela reparar que ele não a levava para sair com os amigos dele (olha que ela é bonitona). Começou a furar programinhas básicos, tipo cinema, passeio, e não queria muito contato com a família dela. Só não furava os dias de lesco.
Um amigo dela disse que o moço voluptuoso nunca havia prometido nada, muito pelo contrário, tinha sido claro ao escrever em e-mail sobre uma história de "meu mundo, seu mundo", "gosto de parte sua, mas outra ainda não consigo digerir", coisas assim. Isso quando tentava ser racional. Na paixão, mandava fotinhas, torpedos amorosos, seduzia o tempo todo - apesar da "outra parte" dela, da qual não queria nem chegar perto, como se ela pudesse arrancar pedaços invisíveis de si, libras das suas vivências, sem deixar de ser quem é.
Minha pergunta para homens assim é: e se fosse com sua filha, sua mãe, sua irmã?
Como será que esses tipos iriam se referir a um sujeito que ignora a sutileza dos sonhos dos outros? O mundo é só dividido entre os espertos e os manés? A mulher - ou o homem - que se envolve com indicações de romantismo é apenas otária(o)? O sonhador é um idiota?
Ando meio cansada desse egoísmo emocional.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Sophia de Mello Breyner Andresen

A paz sem vencedor e sem vencidos


Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos

domingo, 5 de agosto de 2007

Por que Cris



Cris, do BlogTalk e responsável pela minha entrada no universo blogueiro ("escreve para aliviar, mulha", incentivou ela em um dia de desespero), é essa bonitona que autografa seu primeiro livro "Por que Heloísa?", infantil, em São Paulo. Mãe de uma menina com paralisia cerebral que é sua cara, Cris se baseou no dia-a-dia de luta contra um mundo, um país, uma cidade, uma rua, um transporte que jogam totalmente contra os deficientes. Isso sem falar dos preconceitos, mas não enveredo por aí.
Sua história é de amor e força (haja força física!). E vitória. Não dá para competir com ela nem nas coisas legais nem nas horríveis. Cris é tudo. Nós nos conhecemos há 25 anos e aprendi muito sobre diferenças e particularidades com ela. Vivemos há tempos em cidades diferentes e sabemos que isso não altera a amizade. Amigos abrem sua casa, seu tempo, suas verdades para os amigos. Amigos chamam à realidade, bronqueiam, não deixam a dor apagar a lucidez. Chamam de esquizofrênicos e de queridos. Nem sempre damos ouvidos a eles, mas também não temos como culpá-los. E amigo que é amigo não diz: "Eu avisei". Eles sabem que a gente sabe que eles sempre avisam.
P.S.: Cris, acho que meu link não deu certo. Ou você é péssima professora ou eu sou uma anta.
P.S2.: A foto aí é do nosso querido Suely, nascido Carlos Vieira.