segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Poema de Natal

(antes do poema, uma dica de um presente a se dar de Natal: assistir ao filme A Vida dos Outros. Emocionante.)

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinicius de Moraes

sábado, 22 de dezembro de 2007

O Velho, o Menino e o Burro

Iam um velho, um menino e um burro para a feira, os três andando bem devagar.
Passaram algumas pessoas e comentaram:

– Que gente boba!
Andando tanto, quando podiam ser levados pelo burro!
O velho, então, montou o menino no burro e foi ele mesmo puxando o cabresto.
Passaram outras pessoas e disseram:

– Que absurdo! Um velho tão velho andando e o menino no bem-bom!
O menino desmontou, o velho subiu e foi conduzindo o burro.
Outros passaram e disseram:

– Que horror!
Um menino tão pequeno andando
o velho descansando em cima do burro!
O velho, então, pôs o menino com ele em cima do burro, e lá foram eles para a feira.

Mas, pessoas que também iam pelo caminho resmungaram:
– Como tratam mal um burro magro!
Ter de levar tamanho peso!

O velho e o menino desceram do burro e
passaram a carregá-lo nas costas.
E aí, todos os que passavam riam deles e diziam

– Mas que burrice! Afinal, para que serve um burro?
Moral da história:
Quem quer agradar todo mundo no fim não agrada ninguém.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Assim continuaram...

Levantou-se com certa dificuldade e, com as mãos trêmulas, abriu a gaveta da cômoda, ajeitando os achados que havia posto dentro da carteira sob um suéter de lã. Distraído, olhou no espelho, deparando-se com aquele vulto imberbe que se assemelhava a ele.

Aprontou-se com a presteza de sempre e desta vez trocou o nó Windsor da gravata por um cruzado. A camisa branca, combinando com as paredes, foi logo coberta pelo paletó escuro. Sentou-se outra vez à beira da cama para uma oração a Nossa Senhora das Estradas, e abriu a esmo a coletânea de Jose Asunción Silva, que, a seu ver, era parte da liturgia diária.

Desceu as escadas seguindo o rastro deixado pela ultima fornada de arepas, que seriam devoradas pelos filhos. Pensava em Gaitan, no Bogotazo, e como as coisas tinham melhorado; e também piorado. Estava doido para passar as férias em San Gil novamente. Sua mulher, Sara, arquétipo de uma tela de Botero, estava sentada com três das criancas à esquerda da cabeceira, derretendo queijo no chocolate quente. Não tinha muito tempo, era hora de ir ao Supremo, pensar nas sinecuras.

(Continuem!!!! Mandem história nos comentários...)

Assim comecei...

Eduardo Ronderos delirava, contando os segundos com piscadelas no quarto todo branco de cal. Não era febre, mas vergonha, uma ferida inflamada resultado da opressiva quase derrota imposta pelo seu último inimigo, o tempo. Estava paralisado, imóvel na grande cama de lençóis brancos, subjugado pelo poderoso adversário. Lembrou-se, entre micromomentos de calma escuridão, das palavras da centenária Úrsula. “O tempo não passa, ele gira em círculos”. E sorriu dentes amarelos em contraste com a saliva. Eu vou vencer!, ensurdeceu sua voz toda a estância na velha Santa Fé de Antioquia.
Esticou a mão e alcançou os pequenos papéis deixados na mesa ao lado da cama pela filha Clara, sua bênção, a mais bonita das quatro, a mais dedicada dos sete que vingaram. As imagens impressas de Santa Dinfna e Santo Pelegrino e uma foto de Clara, além dos dentes de Ronderos, quebravam a uniformidade branca e insana do quarto. Eram sua platéia bizarra.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Incentivo é bom e eu gosto

Todos os dias acordo meio desistindo de escrever. Falta de tempo ou preguiça, depende. Fico enrolando, passo um tempo ausente e quando acho que o sem-saquismo será para sempre, uma palavra amiga escrita aqui e uma lembrança acolá fazem as palavras chegarem ao blogue.
Dessa vez, as responsáveis foram a Cris e a Guta, pelos elogios, e uma lágrima fujona. Eu me lembrei do início de tudo: uma dor de arrebentar a carcaça, de morder edredom para não soluçar, de rezar para morrer. Hiperbólico assim mesmo. Como a Guta definiu no seu Migrante Digital, foi um diário antienlouquecimento, conforme os textos saíam, o desespero era domesticado. A maioria das postagens foi para o arquivo porque não gosto de reler.
Hoje, porém, reli. Coisa de estado de espírito.