segunda-feira, 25 de junho de 2007

Resposta à flor

Flor, o que eu quis dizer é que estou fragmentada, não sou unidade, estou esfarrapada e arrasada. E isso às oito e meia da manhã. Acordei às cinco com falta de ar, depois, às sete. Por enquanto, só vejo o próximo segundo à minha frente como sendo de uma dor insuportável. Não quero doer, não quero. Dor não é normal, não pode ser. Dor normal é a dor do parto, a dor do milagre da vida. A que sinto não tem milagre nem vida, é dor de adeus, é dor de conviver com a ausência, é dor de estar descarnada, sem nada poder fazer.
Estou sofrendo pela falta de um grande amor, falta absoluta e total, nem as palavras me restaram. Estou sofrendo pelos argumentos implacáveis que me foram apresentados na hora do toco, no dia 31 de maio. Sei que vai passar. Sei que tudo será lavado. Sei que meu corpo vai cansar de sofrer. Tudo isso à minha revelia. É assim e acabou.
Concordo com você sobre a ratoeira. Eu sabia dos riscos, tive medo, tanto que avisei a ele que eu iria me estrepar, e ele me disse que seguraria a minha mão para me ajudar. Claro que não foi assim. Quando há problemas, todo mundo quer livrar sua pele. Eu entendo. Usou a mão que me dava para se segurar inteiramente. Eu ainda estou em queda livre, rumo ao extremo Sul, que você mencionou. Vou lá conversar com o coisa-ruim, até voltar, como Orfeu, da longa jornada: em segurança, sim, mas de mãos abanando.
Enfim, queridona, tenho que seguir em frente, eu sei. Só peço máxima vênia pela situação. Preciso de ajuda para não enlouquecer na dor da falta que ele me faz. Peço ajuda para não perder a minha dignidade, para não meter os pés pelas mãos, para não cair na sarjeta.
Você é maravilhosa, uma grande querida, uma pessoa em quem confio nas palavras, no discernimento, na sabedoria.
Um beijo grande e bom dia.

E-mail de uma amiga sábia

Mulher,
Andei lendo teu blog, e não consegui resistir. Aponte um ser humano - unzinho só -, de Jesus Cristo a George Bush, freira ou puta, gênio ou bucéfalo, que não seja tão simplesmente o teu patchwork, os tais retalhinhos de lembranças. Ando meio Pollyanna, mas a questão é que ando me convencendo de que só por isso, só por sermos um receptáculo quase sagrado de memórias que vamos acumulando e transmitindo pela vida, pros nossos amigos queridos, pros nossos filhos, qual antenas bêbadas, é que essa lida vale alguma pena - no nosso caso específico, ainda tem o raio do leitor.
Não tivesse eu descido ao inferno e, depois de anos, ter decidido voltar à superfície dos mortais (a escalada ainda não acabou, como bem sabes), eu jamais poderia ter a convicção que hoje tenho ao te dizer que isso vai passar. Não tivesse trazido em si nenhum outro aprendizado sobre minha própria alma, a jornada ao extremo Sul em companhia de um traste já teria valido só por hoje eu poder dizer à amiga querida que agora chora, sem nenhuma dúvida, plagiando lá o amigo do Rei Davi, "isso também vai passar".
Vai passar como passa cada segundo. E digo isso com a constatação de que aquilo que me ia no coração ao começar a te escrever esse e-mail já não vai mais. Já estou no terceiro parágrafo e me dou conta nesse exato momento de que o relato que fiz no segundo parágrafo me remeteu a um monte de lembranças que me atropelam agora. Lembranças de uma dor em estado puro; de uma dor no corpo e na alma; de uma dor que não tem nome, nem forma; de uma dor que levou meses pra parar de doer; de dor, só dor, que, adivinhe?, passou. Não passou ainda o que processei a partir disso, é verdade.
Vai passar como passaram aqueles momentos absurdos que vivemos quando ainda não sabemos que coisa é essa de ser mulher; quando não sabemos por que diabos nosso corpo sangra, todo maldito mês, sem que a gente tenha feito nenhuma travessura; quando não sabemos direito o que fazer com aquela língua que nos invade a boca no primeiro beijo; quando não sabemos direito como é que é essa história do sujeito enfiar um pedaço do corpo dele no corpo da gente. Vai passar como passou a dor de quando sofremos de amor pela primeira vez e temos a certeza absoluta de que o mundo vai acabar.
Dá licença, agora, amiga, mas não temos mais o direito de achar que não sabemos com o que estamos lidando. Sabemos exatamente que aquele queijinho bacana, amarelinho, furadinho, igual a de desenho animado, estava num raio de uma ratoeira. O que temos que precisamos fazer agora é buscar na alma por que diabos sempre ignoramos a ratoeira só pelo prazer de pegar o tal queijinho ou, se Deus existir, encontrar algum queijinho fora do raio da retoeira.
O problema é que isso também vai passar, de novo plagiando o amigo do rei, como passaram momentos deliciosos, daqueles de nos trazer lágrimas aos olhos quando lembramos ou daqueles de matar os amigos de rir quando contamos.
Agora, já no sexto parágrafo, me lembro de uma noite, eu, sozinha, na Ilha de Capri, num hotel encarapitado na encosta à beira da Baía de Nápoles, bebendo vinho, Sinatra no ouvido. Não amava ninguém, não tinha saudade de ninguém. À minha frente, o mar, enorme, e uma tempestade caindo sobre Nápoles, com raios despencando na cidade. Isso, à direita. Porque à esquerda o sol se punha, displicente, em céu de brigadeiro, rosa, rosa, como se não fosse com ele. Era uma tempestade localizada, como costumam ser as tempestades. O melhor de tudo é que isso me veio à cabeça agora, imediatamente depois de eu ter passeado pelo primeiro amor errado e pelo meu passado no inferno. Explicação, não tenho. Só sei que foi assim, como diria o Chicó do bom Suassuna. Seqüelas? Acho que não. Prefiro chamá-las de... é..., bem..., não sei bem como chamá-las.
O que ainda não passou, amiga, é o que virá no segundo seguinte. E, pra piorar, no momento exato em que eu escrevia "momento seguinte", ele já não existia mais, já tinha se transformado imediatamente em momento passado, em memória, em parte do meu próprio patchwork, que vou exibindo aí pelos botequins, pela minha narrativa, pela força da grana que ergue e destrói coisas belas... ih, me empolguei. Enfim, babe, é simples e óbvio assim.
Não vou encerrar com um discursozinho patético sobre a esperança no que virá - "virá, que eu vi", diria o baiano metido a Einstein (ih, é a segunda referência a Caê, ando péééééssima). Mas, na boa, confessa com tua boca que a nossa absoluta falta de informação sobre o próximo segundo, o que está imediatamente à nossa frente, o que ainda não veio e o que ainda não virou memória, não constitui o que de mais sagrado essa lida nos dá?
Cuide-se. Tô aqui a qualquer hora.
Beijo grande.

domingo, 24 de junho de 2007

Tudo como dantes (tá ficando chato)

Na rodada diária de consolos, ouvi um tristíssimo: "Tem uma hora que o corpo cansa de sofrer e você esquece". Pois é, impotência pura. Deixa que o tempo se encarrega, nada está nas suas mãos. O corpo arqueia cansadíssimo, sem relaxar nem esquecer por enquanto. Admito que muita coisa está mudada, mas a visão que tenho de mim é a de um trabalho de patchwork - retalhinhos de lembranças, objetos, sons, cheiros e sabores.

A sensação de solidão mesmo entre amigos amados é de enlouquecer. Eles cantam, embalam, ritualizam as exéquias, direcionam os lamentos, sofrem e xingam com e por você. Queridos que dão as mãos. Mas é verdade o que está escrito embaixo: a água dos olhos nunca tem sono. Quando eles se distraem, a dor toma conta, e não há analgésico. É apertar os dentes, enrijecer a musculatura e esperar passar. Pergunto ansiosa quais serão as seqüelas, porque nada dói tanto impunemente.

E, sobre as passagens dos passamentos, aí vai uma historinha. Conta uma lenda que, um dia, o rei David pediu ao joalheiro real que lhe desenhasse um objeto que fosse útil tanto na adversidade quanto na prosperidade. Sem idéias, consultou-se com um sábio, que lhe disse para fazer um anel e nele escrever as palavras "isto também passará". Dessa forma, quando a vida fosse um mar-de-rosas, a jóia evitaria que o rei ficasse muito cheio de si e, portanto, vulnerável aos baques. Porém, quando uma tragédia o atingisse, contemplaria a inscrição e apenas esperaria.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

No dia de Santo Antônio

Ele faz falta. Agora, nem tanto para o beijo e o amor, mas pelas palavras alegres, incompatíveis com seus olhos melancólicos. As palavras nos uniram e nos traíram, e o que existe é o que ele chama de silêncio ensurdecedor. Consola-me saber que essa angústia não é unilateral. Ele sofre. Identifica-se com versos como “afundar obstinado o desejo”, “passos sobre o cinzento caminho”. Sim, sofre. E como não sofrer? Faço-lhe falta. Faz-me falta.
Fui só objeto de desejo? Não sei, mas é bom sentir o desejo de um homem, vê-lo irracional, sem pragmatismos, sem resistências, bicho solto buscando só prazer. Dar e ter.
Minha casa parece um santuário de Santo Antônio. Velas rosas, azuis e roxas colorem os cômodos. Apelo para tudo porque quero esquecimento, quero de volta alegria e paz. Eu e Claudia coletamos simpatias para atrair o bom, abrir as portas para o novo. Muito mel, maçã, fitinhas. Nada de maldade tipo tirar o jesusinho do colo do santo nem afogar nem pôr de cabeça pra baixo. Somos só coisas boas. Queremos saúde e menos trastes nos nossos caminhos.
Ontem, fui receber a bênção no convento porque hoje é dia de folguedos e estará lotado. Chorei. Não é a primeira vez que choro nessa igreja, a energia dos devotos impressiona e até os menos sensíveis se emocionam. Há paixão e fervor que grudam em você. Saí de lá ressuscitada, entendendo o sentido dos milagres.

sábado, 9 de junho de 2007

Cuidado ao pisar, são meus sonhos


He Wishes For Cloths of Heaven
W. B. Yeats

Had I the heavens’ embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Recaída ao início da tarde

Y qué haremos con este amor que aún nos queda;
el que es necesario enterrar, com humor y coraje?
El dolor, según dicen, pasa pronto;
la vida, em cambio, habrá de concedernos la impossibilidad
de más daños, dulce daños.

(Juan Gustavo Cobo)

Rubro-negra homenageia

A tristeza vem me impedindo de muita coisa, uma delas é de atentar direito para o mundo, porque voltei meus olhos estrategicamente para mim. Tenho que reconhecer, no entanto, que não dá para não perceber a cidade mais colorida, mais verde e mais uma cor esquisita, que não é bem um vermelho, é meio um vinho. Os aristocratas tricolores a chamam de bordô.
Fui Fluminense até meus cinco anos. Agora sou Flamengo até morrer. Mas tenho um carinho especial por esse time. Meu irmão me levava ao Maracanã para ver os jogos, cheguei a usar a camisa da cor estranha, para evitar a transparência da minha blusa branca debaixo de uma chuva terrível, numa decisão Fu X Vasco, creio que em 80 - ou 81. Namorei tricolores. Muitos dos meus amigos que mais me aconchegam torcem pelo Flu. Então, em homenagem a eles, e para evitar que este blog vire um muro de lamentações sentimentais, reproduzo texto do Garamblog, do tricolor chato, escritor bacana (leiam 'Eu, Deus') e amigo querido Sidney Garambone.

E o Fluminense?
Quinta à tarde o Brasil mais jovem entendeu o que é o Fluminense. E o Brasil mais velho lembrou quem era o Fluminense. As imagens do estádio das Laranjeiras. Ou de Laranjeiras para os cariocas, pois no Rio o bairro que já foi fazenda de laranjas não é conhecido como “as Laranjeiras”. Simplesmente mora-se em Laranjeiras.
As imagens da torcida ocupando o gramado, como um MST polido e educado, dividindo em lotes a intermediária, meia-lua e grande área. Pulando, pisando, levando grama para casa.
Os jogadores eram detalhes. O treinador era um detalhe. Como algum quadro impressionista, as pinceladas misturaram na foto torcida, atletas, cartolas e cimento.
Cimento antigo, secular, que já viu todos os times grandes brasileiros jogando contra o Fluminense antes e depois do Maracanã. Já viu Seleção e jogo de Terceira Divisão. Timinho e Timão.
Laranjeiras, por um dia, voltou a ganhar os holofotes do Brasil. E os torcedores tricolores também. Não foi vitória heróica. Hoje, com calma, fica mais fácil entender o jogo em Florianópolis. O Figueirense se preparou para tudo, menos para um gol de Roger. Ninguém se preparou para o gol de Roger.
Só Roger.
A torcida levou um nocaute daqueles. Mário Sérgio também. O time então, nem se fala. Não foi uma pressão daquelas que a gente conhece bem. Não houve defesa milagrosa, como querem os assessores de imprensa. A juventude do Figueirense pesou. E o resto, o vizinho Gustavo Poli já descreveu de forma rodriguiana.
O avião decolou e pousou em outro ícone carioca do passado. O aeroporto Santos Dumont. A festa começou lá e acabou no velho estádio da rua Álvaro Chaves. Time centenário, com mais títulos cariocas, o Fluminense virou o século se reinventando.
Sem champanhe.
Mas com muito Bordeaux, da cor da camisa.

Tu és tudo, Suassuna

Estou aqui escrevendo viciadamente por influência de Cristiana, do Blogtalk, uma total junkie da Net. Ontem, mandei um e-mail para ela, culpando-a pelo resto da minha vida por mais essa compulsão. De repente, me dei conta: tenho 42 anos, pela expectativa de vida das pesquisas divulgadas pelo meu querido Bello, do IBGE, devo viver mais uns 40... Ai, meus sais... Não quero mais uma vida inteirinha pela frente, não. Ainda mais lembrando de tudo, ou quase tudo - isso vai depender da quantidade de copos esvaziados.
Cris, sábia, me falou do escritor Ariano Suassuna, um patrimônio nacional. Em recente programa na TV, Suassuna, no turbilhão das comemorações pelos seus 80 anos (próximo dia 16), se mostra surpreso: "Imagina o que não vão fazer nos meus 160!" Conversamos sobre Suassuna, nascido na Paraíba, mas morador de Recife desde a adolescência. Defensor da cultura nacional, suas obras já foram traduzidas para inglês, francês, alemão e até polonês, ele, porém, nunca saiu do Brasil. As explicações estão aí, numa entrevista a dada à Folha de S. Paulo, em 2003:

Folha - Você nunca viajou para fora do Brasil. Por quê?
Suassuna - É por isso que sou um viajante imaginário, como o narrador do meu romance. Não tenho que viajar, não. Conheço a Rússia melhor do que muito russo, através simplesmente de Dostoiévski, Gogol e Tolstói.
Folha - Certa vez uns colegas queriam mandá-lo para a França...
Suassuna - Foi, foi. Eles conseguiram uma bolsa do governo francês para eu estudar. Quando já estava quase tudo preparado, um deles disse: você tem que ir, porque um escritor brasileiro não conhece o Brasil se não fizer um curso na Europa. Aí eu disse: pois eu não vou mais, não. O gringo que quiser me conhecer agora tem que vir aqui, porque eu não vou lá. Eu era muito jovem quando disse isso, e não é que não se cumpriu, isso? Eu não fui lá e tem gringo que vem por aí para falar comigo. Esse orgulho eu tenho.
Folha - Existe algum país que você gostaria de conhecer?
Suassuna - Se Portugal e Espanha fossem ali em Alagoas, eu iria. Mas são muito longe.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Vaca, muito prazer


Sou uma vaca bizarra. Só assim mesmo para não pensar em auto-estima numa hora dessas e postar musiquinha de amor. Dane-se, tô frágil, o blog é vávula de escape e aí vai:


Quase um segundo

Eu queria ver no escuro do mundo
Onde está tudo o que você quer
Pra me transformar
No que te agrada
No que me faça ver
Quais são as cores e as coisas
Pra te prender?
Eu tive um sonho ruim
e acordei chorando
Por isso eu te liguei
Será que você
Ainda pensa em mim?
Será que você ainda pensa?
Às vezes te odeio
Por quase um segundo
Depois te amo mais
Teus pêlos, teu gosto, teu rosto, tudo
Que não me deixa em paz
Quais são as cores e as coisas
Pra te prender?
Eu tive um sonho ruim
e acordei chorando
Por isso eu te liguei
Será que você
ainda pensa em mim?
Será que você ainda pensa?

Sou que nem cangambá: não corro nem dou lugar

Em Paragominas, uma cidade a 300 quilômetros de Belém, vive uma mulher que foi abençoada pela sabedoria do empirismo, da observação. Não crescesse, casasse, tivesse filhos, netos e bisnetos analfabeta, Dona Raimunda Nonata seria poeta de livro, suas palavras estariam espalhadas por aí.
Raimunda não foi para a escola porque seu pai achava que ela queria aprender a escrever para mandar cartinhas de amor aos moços. Tinhosa, mostrou que toda dominação é burlada facilmente. "Eu sou que nem cangambá: não corro nem dou lugar", definiu-se. Ela não se alfabetizou, mas pediu a amigas que escrevessem as cartas sapecas a quem desejasse que a cortejasse.
No ano passado, aos 93 anos, apesar do glaucoma e da catarata, entrou pela primeira vez na vida em uma sala de aula. Voz alegre, justificou: "Quero ler o mundo e ter menos bocas faladas". Raimunda não estava cansada das pessoas, nem nada, queria mesmo era o silêncio reflexivo, só desejava brincar sozinha com o seu pensar.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Eu só quero é ser feliz...




Duzentos e quarenta horas sem voz, sem letrinhas, sem carne. A falta dele esmaga, altera a vida. Desabafo minha angústia em preces solitárias no altar que imagino na minha cama. Há todo um método. Janela aberta, luz, santinhos em ordem: Santa Rita, São Judas Tadeu, Santo Antônio, Nossa Senhora Desatadora dos Nós, São José. Meus deuses, o que faço com essa saudade toda? A religião sempre esteve presente em nossas trocas. A última frase que ouvi dele: Deus te abençoe. Religião, do latim re-ligare, religação. Não dá, não.


Lamento a minha coitadice. Dez dias de condenada, sofrendo com o encarceramento dos sentimentos, riscando pauzinhos na porta do quarto, imaginando quantos serão necessários para a paz que trazem o esquecimento e o desapego. Estabeleci como meta de cura 1.200 horas, menos de dois meses, acho que está de bom tamanho para a tristeza. Processo rapidamente todos os sentimentos. Tenho dormido, em média, três horas e meia. Também não como direito porque ainda rumino suas palavras pesadas.


Ele me pediu a liberdade como prova de amor. "Se eu amo alguém, quero que seja feliz mesmo longe de mim". É isso que estou fazendo, é a minha prova de amor a ele, a prova de amor que ele não soube me dar quando tantas vezes, antecipando esse desfecho siberiano, pedi que me deixasse sair em paz da relação. Ele sempre voltava com músicas, declarações, ligações na madrugada. Agora entendo por quê. Não era amor, mas uma variação disso sem nome.


Choro na rua, no quarto, no trabalho, no banho (muito no banho, pelo desamparo da nudez e pela água). O caminho para chegar ao jornal é uma maratona de recordações. Se vou pelo Túnel Santa Bárbara, passo em frente ao prédio dele, e, se não der a sorte de o sinal estar fechado, na porta do Snob - tão freqüentado por nós, que a recepcionista até nos dava a chave do mesmo quarto, sem perguntar nada. Pela Mem de Sá, pago mais caro e me encho de saudade do cabrito do Capela. Tudo ficou para trás, mas carrego as lembranças como um rabo, não consigo arrancar, fazem parte do que eu sou.

JUNTOS LOS DOS

Juntos los dos reímos cierto día...
¡Ay, y reímos tanto
que toda aquella risa bulliciosa
se tornó pronto en llanto!
Después, juntos los dos, alguna noche,
reímos mucho, tanto,
que quedó como huella de las lágrimas
un misterioso encanto!
Nacen hondos suspiros,
de la orgía entre las copas cálidas
y en el agua salobre de los mares,
se forjan perlas pálidas!
(José Asunción Silva)