segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Sonhos voltam a rondar. Aproximam-se, farejam e fogem. Sou eu que os assusto. Eu e o meu medo de doer.
Em breve, vão se deixar tocar. Meu Deus, como desejo esse dia.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Terremoto no Canadá

E eu embarcando para lá. Parece que busco as catástrofes, como se a vida harmônica não tivesse sua graça. Desafios, paixão. Tudo o que vem rápido passa voando e isso me excita. Não posso me queixar de monotonia. Amo a vida e sou tentada pela morte.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Blecaute interior

Subo a pé os sete andares até meu apartamento. Corro jamaicanamente das lembranças inquietantes que o blecaute na cidade me causa, mas sou ultrapassada e bloqueada por elas. Vejo-me na mesma cena, em outra época. O calor, a falta de luz, a escada, a falta de ar, as elucubrações, a falta de você. Voltava da rua sozinha, enquanto um dilúvio escurecia e encharcava as ruas. Havíamos combinado assistir ao show da Rita Lee. Você não apareceu. Da porta do Canecão, debaixo de chuva, liguei enlouquecida para seu celular umas 380 vezes. Enquanto isso, já ia me imaginando lá dentro, esgoelando-me junto com a ruiva nos versos "juro que não vai doer se um dia eu roubar, o seu anel de brilhante, afinal de contas dei meu coração, e você pôs na estante...". Blergh. Graças ao breu total, a apresentação foi impossível naquele sábado.
Coração apertado, lágrimas misturadas à chuva, me arrastei miseravelmente até minha casa com dois ingressos válidos para o dia seguinte e dormi o sono pesado que nos defende da dor.
Você me ligou de madrugada. Não atendi. De manhã cedo. Suspirei um alô. Havia pedidos de desculpas na voz ainda embriagada, "foi meu apagão, amor", e palavras apaixonadas. Sim, eu ainda o queria por mais um breve tempo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Emoção

Noite de 16 de abril de 1994. O telefone tocou ao lado da cama. Era meu amigo Ivan com um convite quase irrecusável: "Silvia, vambora ver o Chico Science no Circo Voador".
Fiquei tentada. "André, o Ivan está chamando a gente para ir ao Circo". Olhei para a minha barriga de 42 semanas de gravidez. "Acho melhor não, né?".
Declinamos, tristemente. Na madrugada do dia 17, comecei a sentir contrações e Laura nasceu.
No último sábado, 15 anos e sete meses depois, o Nação Zumbi, sem o Chico Science, morto em 1997, voltou ao Circo para show com as músicas do disco Da Lama ao Caos, o mesmo que eu havia perdido por causa do fim da gravidez. Dessa vez, estava lá misturada à massa que ocupou a lona. Calor congolês. Pulei, levei pisada, suei. Adolescente eu, adolescente tu. Jorge Du Peixe e Lucio Maia me arrepiaram. Uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Lua do Custódio Coimbra

Pequeno conto

Felipa acordou com sede de Antonio. Da última vez que se encontraram, ela o apertou como ao último tubo de pasta de dente da casa, já vazio, obcecada por retirar dele o que era necessário, mas sem esperança. Preferia não saber quantos dias havia se passado desde o abraço, porque tempo de ausência contabilizado é dor certa.
Vestiu-se e partiu para o trabalho impregnada de perfume seu - que tinha sido dele, pensou.
Sonhava Antonio na rua ensolarada e nem percebeu o impacto. Quando um anjo lhe deu colo, Felipa conseguiu enxergar seu amor entre o Cristo e o mar. Os que a viram depois contam só se lembrarem do sorriso no chão.

domingo, 1 de novembro de 2009

Vozes do além

Não sei não, mas parece que o mundo está cheio de esquizofrênicos. É um tal de ouvir coisas que nunca foram ditas que dá até medo. Em uma semana, duas amigas e um amigo vieram contar em lamúria que as pessoas com quem se relacionavam tiraram o corpo fora com a desculpa de que "as expectativas eram diferentes". Como já ouvi essa ladainha, perguntei a eles se haviam explicitado aos parceiros o que queriam nos respectivos envolvimentos. Nada, foi a resposta de todos. Nunca falaram em namoro, juntar trapinhos, filhos. Apenas pretendiam "viver bons momentos". Foi aí que descobri que essa expressão aspeada aparece no dicionário dos assustados como sinônimo de "compromisso", palavra realmente forte para quem está indeciso sobre seus caminhos. Bom, não vou tentar entender a cabeça alheia, seria enorme presunção, mas o que me chamou a atenção nos casos contados é que em todos havia muito desejo entre os casais. Lamentável saber que as pessoas não arriscam.
Para ilustrar, transcrevo uma conversa na praia, há muito tempo, com S., amigo antigo, que tinha os olhos brilhando de paixão quando me encontrou.
- Menino, soube que você está namorando.
- Não, Ana Silvia, não é bem namorando.
- Então é o quê?
- Ah, estou saindo com uma mulher.
- Saindo, dormindo, amando. Olha só seu sorriso, amigo. Isso é sorriso de felicidade. Ela é legal?
- Ela é maravilhosa.
- E o que falta para namorar?
- Como vou saber que ela é A mulher para mim?
- Acho que não vai saber.
- E se eu arriscar uma relação séria com ela e deixar passar a mulher da minha vida?
- Não acredito que exista O alguém na vida de ninguém. Mas o que você quer de alguém em relação a você e de você em relação a alguém?
- Não sei.
- Tem medo?
- Medo de me perder.

Sophia de Mello Breyner Andresen

A hora da partida

A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.

A hora da partida soa quando
as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.

E continuo a depositar flores roxas...


... no porta-retrato onde não estás

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Palavras à deriva

Sinto falta de escrever. Mas ao mesmo tempo que dá essa vontade de ver as letras se juntando e as ideias tomando forma, bate uma preguiça de pensar, uma indecisão sobre o que contar. Dramas e comédias amontoam-se na minha vida, como em qualquer vida. Tudo é único e banal, arrastado e elétrico, surpreendente e déjà vu.
Quero agora imaginar meu passeio de barco amanhã e bloody mary ao entardecer. O mar como testemunha dos dois eventos e conversas em que uns ouvem os outros e respeitam. O diálogo rende, avança, encanta. Não perco mais tempo com palavras que não quero escutar. Estou surda completamente a mentiras, embustes, agressões - mentiras já são agressões, não? Aprendi que a mecânica é simples: se não falo, não ouço. Bom e fácil assim.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Quem recebe isso não pode ser triste

The Mom Song
me lembrou você :)
te amo

Get up now
Get up now
Get up out of bed
Wash your face
Brush your teeth
Comb your sleepyhead
Here's your clothes and your shoes
Hear the words I said
Get up now ! Get up and make your bed
Are you hot ? Are you cold?
Are you wearing that?
Where's your books and your lunch and your homework at ?
Grab your coat and gloves and your scarf and hat
Don't forget ! You gotta feed the cat
Eat your breakfast , the experts tell us it 's the most important meal of all
Take your vitamins so you will grow up one day to be big and tall
Please remember the orthodontist will be seeing you at 3 today
Don't forget your piano lesson is this afternoon so you must play
Don't shovel
Chew slowly
But hurry
The bus is here
Be careful
Come back here
Did you wash behind your ears?
Play outside , don't play rough , will you just play fair?
Be polite , make a friend , don't forget to share
Work it out , wait your turn , never take a dare
Get along !
Don't make me come down there
Clean your room , fold your clothes , put your stuff away
Make your bed , do it now , do we have all day ?
Were you born in a barn ? Would you like some hay?
Can you even hear a word I say ?
Answer the phone ! Get off the phone !
Don't sit so close , turn it down , no texting at the table
No more computer time tonight!
Your iPod 's my iPod if you don't listen up
Where are you going and with whom and what time do you think you 're coming home?
Saying thank you , please , excuse me makes you welcome everywhere you roam
You 'll appreciate my wisdom someday when you 're older and you 're grown
Can't wait till you have a couple little children of your own
You 'll thank me for the counsel I gave you so willingly
But right now I thank you not to roll your eyes at me
Close your mouth when you chew , would appreciate
Take a bite maybe two of the stuff you hate
Use your fork , do not burp or I'll set you straight
Eat the food I put upon your plate
Get an A, get the door , don't get smart with me
Get a grip , get in here , I'll count to three
Get a job , get a life , get a PHD
Get a dose of ,
"I don't care who started it !
You 're grounded until you 're 36"
Get your story straight and tell the truth for once , for heaven's sake
And if all your friends jumped off a cliff would you jump , too?
If I've said it once , I've said at least a thousand times before
That you 're too old to act this way
It must be your father's DNA
Look at me when I am talking
Stand up straighter when you walk
A place for everything and everything must be in place
Stop crying or I'll give you something real to cry about
Oh!
Brush your teeth , wash your face, put your PJs on
Get in bed , get a hug , say a prayer with mom
Don't forget , I love you
And tomorrow we will do this all again because a mom 's work never ends
You don't need the reason why
Because, because , because , because
I said so , I said so , I said so , I said so
I'm the mom !

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Para André. Com carinho.

Casamentos possíveis – Contardo Calligaris

Uma das boas razões para se casar é a seguinte: uma vez casados, podemos culpar o casal por boa parte de nossas covardias e impotências.

O marido, por exemplo, pode responsabilizar mulher, filhos e casamento por ele ter desistido de ser o aventureiro que ainda dorme, inquieto, em seu peito. A decepção consigo mesmo é menos amarga quando é transformada em acusação: “Você está me impedindo de alcançar o que eu não tenho a coragem de querer”. Essas recriminações, que disfarçam nossos fracassos, não são unicamente masculinas. Certo, os homens são quase sempre assombrados por impossíveis devaneios de grandeza – como se algum destino extraordinário e inalcançável já tivesse sido sonhado para eles (e foi mesmo, geralmente pelas suas mães). Diante de tamanha expectativa, é cômodo alegar que o casal foi o impedimento. As mulheres, inversamente, seriam mais pé-no-chão, capazes de achar graça nas serventias do cotidiano. Por isso mesmo, aliás, elas encarnariam facilmente, para os homens, os limites que a realidade impõe aos sonhos que eles não têm a ousadia de realizar. Agora, as mulheres também sonham. Há a dona de casa que acusa o marido, os filhos e o casamento por ela ter desistido de outra vida (eventualmente, profissional), que teria sido fonte de maiores alegrias. E há, sobre tudo, para muitas mulheres, um sonho romântico de amor avassalador e irresistível, do qual, justamente, elas desistem por causa de marido, filhos e casamento. Com isso, d. Quixote se queixa de que sua mulher esconde seus livros de cavalaria e o impede de sair à cata de moinhos de vento. E Madame Bovary se queixa de que seu marido esconde seus livros de amor e a impede de sair pelos bailes, à cata de paixões sublimes e elegantes.

Pena que raramente eles consigam ter os mesmos sonhos. Um problema é que os sonhos dos homens podem ser de conquista, mas dificilmente de amor, pois eles derivam diretamente das esperanças que as mães depositam em seus filhos, e, claro, uma mãe pode esperar que seu rebento varão seja um dom-juan, mas raramente esperará ser substituída por outra mulher no coração do filho. Não pense que esse fogo cruzado de acusações seja causa recorrente de divórcio. Ao contrário, ele faz a força do casamento, pois, atrás da acusação (”É por sua causa que deixei de realizar meus sonhos”), ouve-se: “Ainda bem que você está aqui, do meu lado, fornecendo-me assim uma desculpa -sem você, eu teria de encarar a verdade, e a verdade é que eu mesmo não paro de trair meus próprios sonhos”. Ou seja, em geral, a gente casa com a pessoa “certa”: a que podemos culpar por nossos fracassos. E essa, repito, não é uma razão para separar-se. Ao contrário, seria uma boa razão para ficar juntos.

Quando a coisa aperta, não é porque sonhos e devaneios teriam sido frustrados “por causa do outro”, mas pelas “cobranças”, que, elas sim, podem se revelar insuportáveis. Um exemplo masculino. Uma mulher me permite acreditar que é por causa dela que eu não consigo ser o que quero: graças a Deus, não posso mais tentar minha sorte no garimpo agora que tenho esposa, filhos e tal. Até aqui, tudo bem. Como compensação pelos sonhos dos quais eu desisti, passo as tardes de domingo afogando num sofá e soltando foguetes quando meu time marca um gol, mas eis que, no meio do jogo, minha mulher me pede para brincar com as crianças ou para ir até à padaria e comprar o necessário para o café – logo a mim, que deveria estar explorando as fontes do Nilo ou negociando a paz entre os senhores da guerra da Somália. Essa cobrança, aparentemente chata, poderia salvar-me da morosa constatação do fracasso de meus sonhos e das ninharias com as quais me consolo. Talvez, aliás, ela me ajudasse a encontrar prazer e satisfação na vida concreta, nos afetos cotidianos. Mas não é o que acontece: o que ouço é mais uma voz que confirma minha insuficiência. À cobrança dos sonhos dos quais desisti acrescenta-se a cobrança de quem foi (ou é) “causa” de minha desistência e razão de meu “sacrifício”: “Olhe só, mesmo assim, ela não está satisfeita comigo.” Em suma, não presto, nunca, para mulher alguma -nem para a mãe que queria que eu fosse herói nem para a esposa para quem renunciei a ser herói. E a corda arrebenta.

O ideal seria aceitar que nosso par nos acuse de seus fracassos e, além disso, não lhe pedir nada. Difícil.

domingo, 18 de outubro de 2009

Borges

AUSENCIA

Habré de levantar la vasta vida
que aún ahora es tu espejo:
cada mañana habré de reconstruirla.
Desde que te alejaste,
cuántos lugares se han tornado vanos
y sin sentido, iguales
a luces en el día.
Tardes que fueron nicho de tu imagen,
músicas en que siempre me aguardabas,
palabras de aquel tiempo,
yo tendré que quebrarlas con mis manos.
¿En qué hondonada esconderé mi alma
para que no vea tu ausencia
que como un sol terrible, sin ocaso,
brilla definitiva y despiadada?
Tu ausencia me rodea
como la cuerda a la garganta,
el mar al que se hunde.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Lou Reed - Berlin

You're right and I'm wrong
oh babe, I'm gonna miss you now that you're gone
One sweet day
You're right, oh, and I'm wrong
you know I'm gonna miss you now that you're gone
One sweet day
One sweet day

Je t'aime moi non plus

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

"Quanto a mim, o que eu fiz foi esticar até o extremo, em minha vida, o que a maioria só tem coragem de esticar até a metade" F. Dostoiévski

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Confissão. Ou As tentações de Santo Antão

Não sei se alguém que lê este blog conhece os confessionários do Convento de Santo Antônio, no Rio, pelo menos nestes tempos de reforma. Em uma varandinha que dá para o pátio geralmente fechado à visitação dos fiéis estão duas mesinhas, parecendo de repartição pública, cada uma ocupada por um religioso, com uma cadeirinha ao lado para o "pecador" se sentar e preencher verbalmente uma anamnese de falhas espirituais e pouca fé. Escolhi a segunda mesinha, pela distância do salão onde estava sendo celebrada a missa do frei Floriano e também pelos bondosos olhos azuis do franciscano em seu tradicional hábito marrom. Dei bom-dia.
- ... - olhavam-me os olhos azuis.
O que eu deveria falar? O silêncio era constrangedor.
- Bom, não sei por onde começar. Na verdade, estou buscando paz para meu coração e o fim de pensamentos ruins - desabafei, emocionada, com os olhos cheios de lágrimas.
- Há quanto tempo a senhora não se confessa? - perguntou ele.
Tive medo de responder. Só me lembrava da confissão da Primeira Comunhão, quando balbuciei, roxa de vergonha, que brigava com meu irmão, discutia com meus pais e - pecado dos pecados - havia, digamos, tomado emprestado sem pedido nem prazo de devolução uma lindíssima capinha de chuva transparente da Susi de uma amiga.
- Acho que tinha 8 anos. Foi na Primeira Comunhão.
- E quantos anos a senhora tem agora?
- 45.
- E a senhora acha que é católica?
- Claro que sou católica.
- Mas a Igreja manda confessar uma vez por ano. Por que a senhora não fez isso? São 40 anos...
Comecei a me irritar. Ele estava deliberadamente aumentando minha idade.
- Menos de 40, por favor. Mas não acredito em confissão. Acredito em conversas com um Deus piedoso, e isso tenho sempre.
- Existem regras na igreja. A senhora não vai andar nua na rua porque acha isso certo.
Ai, meus sais...
- São coisas diferentes. A justiça dos homens às vezes absolve o que não é absolvido pela divina e vice-versa. Ou não? Acho que há entre os católicos várias correntes que afrouxam ou apertam mais as interpretações das leis de Deus e do Vaticano.
- Isso a senhora está falando sem nenhum embasamento.
Meus sentimentos agora passavam longe de qualquer temperança. Estava em vias de pegar pesado e mandar a tal da paz que fui buscar às favas. Rapidamente, pensei: deve ser uma provação de Deus, tal qual foi feito com Jó. Diminuí a carga com uma enorme expiração.
- Olha, não estou aqui para discutir religião com o senhor, vim em busca de ajuda espiritual.
- A senhora é casada?
Sinceramente, não entendi a razão da pergunta. Enfim...
- Não, separada.
- Casou-se na igreja?
(Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós. Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós. Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, dai-nos a paz - repetia como um mantra)
- Não casei na igreja, não.
- Faz muito tempo que se separou?
- Hã????
- Faz muito tempo que se separou?
- Uns sete anos.
- E o que fez de lá para cá?
Como assim, o que fez? Será que ele queria ouvir sobre minha vida sexual? Era isso? O frade estava me provocando. Ou não. Provação de Jó. A resposta veio ríspida.
- Trabalhei como uma mula e criei dois filhos pequenos. Mas se o senhor quer saber se tenho pecados, não sei. Todos os dias, quando rezo o Pai-Nosso, peço perdão pelas minhas ofensas. E, se eu me lembro, porque posso ter tido amnésias providenciais, não matei nem roubei. O resto dos mandamentos da lei de Deus acho que cumpri também - prolonguei-me, esquecendo com certeza aquele tal de não cobiçar... Vale para mulher e homem?
- A gente peca sempre.
- Muito por omissão. Acho que meus maiores pecados foram por omissão, sim - agilizei, sem omitir no tom das palavras que naquele momento a ira tomava conta do meu espírito antes quase santo.
- Vai à igreja?
- Não estou aqui?
- Mas tem que ir aos domingos.
Ah, não. O frade ia me levar à loucura. Provação de Jó, provação de Jó, provação de Jó.
- Tem diferença? Venho quase todas as terças aqui e em alguns domingos vou a outra igreja. Mas rezo sempre para um Deus que todos vocês, padres, dizem que é um Deus de perdão.
- A senhora então, reze sete Pais-Nossos e sete Aves-Marias hoje e amanhã. Eu a absolvo em nome do Pai, do Filho e do Espírito santo. Amém.
Respondi amém, enquanto pensava que a penitência fora até pequena para o tanto de pecado que ele imaginava que eu tinha em quase 40 anos sem confissão. Eu me dera bem no teste de Jó. Minha fé e meus princípios não haviam sido abalados. Mas, peraê, o que era aquele frade que passava rápido por mim, não o confessor, mas outro, também de hábito marrom, sandálias franciscanas e cabelos... pintados de acaju precisando de retocar a raiz????? Franciscanos não fazem votos de não vaidade? Nada de Livro de Jó. Eu passeava em uma uma tela de Hieronymus Bosch.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

E nasceu uma flor amarela no meu jardim...

Bons sorrisos no céu, Bagaceira


Urubu e Fernando Bagaceira (foto roubada do Urublog (http://arsgratiars.blogspot.com)

domingo, 4 de outubro de 2009

Adorei ser musa por um dia. Obrigada, Ximenes

De uma história de noite, como tantas outras, você fez um texto adorável.

"De agora em diante, toda a minha vivência da boemia carioca terá maria Júlia como referência de pedra fundamental e princípio ativo, um patamar de transcendência a ser almejado. Aqui representada com nome falso, é uma conhecida de muitos amigos em comum que viveu a mais deliciosa história de amor a chegar aos meus ouvidos."

"Sabiamente, não se despediu do homem dos seus sonhos, como é de bom tom nas grandes histórias de amor. A vida nos ensina que grandes paixões sobrevivem na lembrança, na eternidade do efêmero. Mas os contos de fada e os filmes nos afirmam que quando um casal é feito um pro outro, vai se reencontrar pelos desígnios do destino." Isso é poesia...

"Minha mais nova musa me fascina pela ausência de culpa, pelo senso de humor e pelo embasamento filosófico presentes no relato." Hahahahahaha

Ter senso de humor, rir das minhas tragédias, quando possível, é o que me faz encontrar a resposta para a pergunta que sempre me faço: viver para quê?

Pequena história de um amor burro

Do blog Cristalk. (http://www.interney.net/blogs/cristalk/2009/10/01/pequena_historia_de_um_amor_burro/) Tão maravilhoso que pedi permissão para reproduzir.



“Só acredito que você me ama quando estou dentro de você”. E ela ficou pasma ao ouvir isso. Ela que achava que já tinha dado todas as demonstrações possíveis de amor. Verbalizado, inclusive, várias vezes. Mas ele não acreditava. Só quando estava dentro dela.

Eles tiveram filhos, que ela abraçou como causas nobres. Ele a criticava por ser uma mãe intensa. Por não ter mais só ele no mundo para amar. Ele começou a se tornar ferino, mas ela ainda o amava mesmo assim. Pelos momentos idílicos. E porque o amor não vai embora de um dia para o outro, mesmo quando a falta de respeito vem sem aviso, como susto que se prega.

Ele a traiu para chamar sua atenção. Ele negou socorro para provar que estava certo. Ele a despejou de casa para que ela se submetesse. E contra a sua vontade, enfim, ela optou por sair daquele filme, que nunca foi dela. Também para produzir uma história mais bonita para os filhos. Pela justiça mundial e porque sim. Porque ela era insubordinada.

Ele perambulou, bebeu, comeu muitas mulheres. Pediu para voltar. Foi insano em sequências. Acabou em direção oposta ao seu maior desejo.

Ela, livre, lutou sozinha pela sobrevivência. É difícil ser livre.

Ele continuou a odiá-la porque a amava.

Fim.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Olá, como vai? Eu vou indo e você, tudo bem?

- Tudo bom? E a família? Olha, não precisa me tratar com tanta cerimônia. Não somos estranhos, muito pelo contrário. Por favor... Tivemos discussões, arroubos, tristezas, mas faz parte de relações intensas, nem precisa de desculpas. Passou. Volta e meia me falam de você. O coração ainda dispara, mas é aquilo que já conversamos, tem que voar livre. Outro dia vi você na rua, bermuda quadriculada e a indefectível mochila à frente do corpo. Sorri e senti uma saudade de dizer: "E aí, rapá, tudo em riba?" E de dar um abraço e de rir com suas palavras estranhas. E tenho minhas histórias para contar também. Tenho certeza de que vai gargalhar. O Ximenes já me chama de "minha musa". Ai... Bom, tomara que esse gelo não demore muito a derreter. Somos pessoas de perdão e volta por cima.
- Oi. Não teria motivo de raiva, tristeza, nada, em relação a você para ter cerimônias. Você é das pessoas mais extraordinárias que conheci, gosto de sua família, aprendi sempre contigo, tudo. Nunca vou maldizer um milímetro pois seria leviano. Só falo bem com meus interlocutores quando o assunto é você. Não poderia ser de outra forma. Ocorre que tudo na vida tem um ciclo e esse ciclo tem seu tempo e esse tempo tem que ser respeitado. Não sou eu nem você que ditamos. É Deus, depende de nossas emoções, impulsos, o que sentimos. Esse ciclo acabou. Nos conhecíamos muito bem até onde nos relacionávamos. Hoje não nos relacionamos mais. Ponto final. Não sou seu amigo. Não há "liga", a não ser o que tínhamos - que era muito pessoal -, e já não temos mais. Toco a minha vida. Os processos levam tempo, e temos que seguir. Só isso. Mas não é desdém, raiva, desejo de algo ruim. Só não tenho que trocar, não é ainda hora pra mim. Espero que respeite isso. Tudo de bom...
- Claro que na vida há um ciclo e é claro que podemos mudar esse ciclo. E é claro que podemos criar ligas, novas ligas. E é criando ligas que um dia poderemos nos sorrir e dizer: como foi bom termos nos conhecido, pois Deus não nos fez encontrar nesta vida por acaso. Você segue sua vida, outras pessoas, outros interesses, não quero saber dela. Mas não posso deixar de insistir que há muito a trocar sempre. Com todos. Você realmente não é meu amigo. Ainda. Começamos uma relação de paixão e isso é difícil. E foi apaixonadamente que terminamos. Paixão tem um quê de patologia. Sofremos ambos. Mas poderemos ser amigos. O meu processo não é tão rápido, nem o seu, parece. Mas você não me abraçaria se um dia me encontrasse na rua? Você não me faria um cafuné se me visse chorando? Você acha que eu não te daria a mão se você precisasse? Que não choraria com suas mazelas? Isso acaba? Carinho acaba? Temos ou teremos amores novos, pois a vida continua. O que foi nosso sempre será. Você não é ponto final, mas reticências. Veja como terminou sua resposta anterior. Nada termina, mas muda. Esse ensinamento é seu e foi absorvido por mim. Agora, se prefere não falar, mudar de calçada quando me encontrar ou nunca mais me olhar nos olhos, tristemente tenho que aceitar. Eu, se o encontrasse agora, pularia no seu pescoço, daria um beijo na sua bochecha e diria: valeu a pena.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O tesão, segundo Alexandre Borges

"A energia sexual, o tesão, é tudo consequência de um carinho, de um amor, de uma cumplicidade e de uma vontade de querer estar sempre junto. Acho que tem a coisa do cheiro, da pele, da forma como um casal se beija, se pega, como seduz, como leva para o quarto, como deita da cama... O sexo é um complemento, uma ação que traduz todo amor que você sente pela pessoa. O fato de o sexo ser bom é um ótimo termômetro de que a relação vai bem, assim como o quanto você se sente seduzido pela pessoa."

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sob os olhos de Darcy Ribeiro

A leitura da coluna do Zuenir Ventura hoje no Globo me trouxe lembranças engraçadas. Poderia até dizer lisonjeiras. Tinha 16, 17 anos, cursava o terceiro ano do antigo científico, quando fui convidado por um amigo de faculdade do meu irmão para encontro em apartamento na Avenida Atlântica com Leonel Brizola, que preparava sua candidatura para concorrer ao governo do estado, em 1982. Até que eu era uma morena inteligente e interessante, e tornei-me de imediato alvo da cobiça desse amigo do meu irmão, que anos depois se elegeu vereador. Bom, voltando ao encontro, cheguei lá e fui apresentada ao Darcy Ribeiro. Ao me ver, ele partiu para cima. Rodeou, questionou, sentou ao meu lado. O assédio ficou tão evidente, que incomou o Brizola. "Ô Darcy, deixa a menina, deixa. Não vê quue ela ainda não foi desmamada", ralhou o caudilho. Consternado, Darcy afastou o corpo, mas os olhnhos astutos e sedutores não me desgrudaram a noite toda. Sei que ele não podia ver um rabo de saia, mas que até hoje isso me dá uma pontinha e orgulho, ah isso dá.