segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Santa Teresa D'Ávila

VERSOS NACIDOS AL FUEGO DEL AMOR

Vivo sin vivir en mí, y de tal manera espero, que muero porque no muero.

Vivo ya fuera de mí después que muero de amor; porque vivo en el Señor, que me quiso para sí; cuando el corazón le di puse en él este letrero: que muero porque no muero.

Esta divina prisión del amor con que yo vivo ha hecho a Dios mi cautivo, y libre mi corazón; y causa en mí tal pasión ver a Dios mi prisionero, que muero porque no muero.

¡Ay, qué larga es esta vida! ¡Qué duros estos destierros, esta cárcel, estos hierros en que el alma está metida! Sólo esperar la salida me causa dolor tan fiero, que muero porque no muero.

¡Ay, qué vida tan amarga do no se goza el Señor! Porque si es dulce el amor, no lo es la esperanza larga. Quíteme Dios esta carga, más pesada que el acero, que muero porque no muero.

Sólo con la confianza vivo de que he de morir, porque muriendo, el vivir me asegura mi esperanza. Muerte do el vivir se alcanza, no te tardes, que te espero, que muero porque no muero.

Mira que el amor es fuerte, vida, no me seas molesta; mira que sólo te resta, para ganarte, perderte. Venga ya la dulce muerte, el morir venga ligero, que muero porque no muero.

Aquella vida de arriba es la vida verdadera; hasta que esta vida muera, no se goza estando viva. Muerte, no me seas esquiva; viva muriendo primero, que muero porque no muero.

Vida, ¿qué puedo yo darle a mi Dios, que vive en mí, si no es el perderte a ti para mejor a Él gozarle? Quiero muriendo alcanzarle, pues tanto a mi Amado quiero, que muero porque no muero.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

QUE DÚVIDA TINHAS QUE O FOGO PASSARIA POR TI?

Bastava ficares em silêncio,
aguardares a passagem do vento,
a crueldade das flores acesas,
outras luzes ao sul.

O tempo passou, como a carroça dos ciganos a fechar a feira.
aqui só ficaram as tendas mais pobres e escuras.
Ainda acreditas que o fogo passará por ti?

MÚSICA CALADA

Dizias que nos sobram as palavras:
e era o lugar perfeito para as coisas
esse escuro vazio no teu olhar.

E demorava a dura paciência,
fruto do frio nas nossas mãos vazias
que mais coisas não tinham para dar.

Dizia então a dor o nosso gesto
e durava nas coisas mais antigas
a solidão sem rasto que há no mar.

(Luís Filipe Castro Mendes)

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

domingo, 10 de agosto de 2008

terça-feira, 29 de julho de 2008

Meu Evangelho de sempre

Agora, que chegaste à idade avançada de quinze anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.

Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.
Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade.
A realidade, Maria, é louca.
Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a verdade, Dinah, já comeste um morcego?"
Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é o lugar – comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.
A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada de estar aqui sozinha!" O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada, e vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo, e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo.
Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria têm de ser grave.
A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg your pardon!" Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de bolso: se gosta de gatos, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: "Gostarias de gatos se fosses eu?"
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: "A corrida terminou! mas quem ganhou ?" É bobice Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre aonde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: "Minha história é longa e triste!" Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vida daria um romance". Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance é só o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energicamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: "Minha vida daria um romance!" Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar diminuindo de novo". Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.
E escuta esta parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinicerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor.
Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas".
Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

(Paulo Mendes Campos, Para Maria da Graça, in Para gostar de ler, crônicas, São Paulo, Ática, 1979, v.4, p.73-76.)

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Minha história, por um vizinho

Abstract: ESTA HISTÓRIA É ABSOLUTAMENTE VERDADEIRA PORQUE EU A INVENTEI DO INÍCIO AO FIM

Capítulo I
Ana Silvia era assim, uma boa menina. De formação cristã estava entre as melhores alunas do Sacré-Coeur de Marie. Fazia suas orações todos os dias muito cedo e era quem ficava mais tempo fazendo a comunhão, sempre composta de boas hóstias e vinhos de grande qualidade. Neste momento da história entram os beneditinos: Hostias
Liva
Composição: Indisponível

Hostias
Hostias et preces tibi,
Domine laudis offerimus
Tu suscipe pro animabus illis,

Hostias, hostias, hostias, et preces tibi (x4)

Fac eas, Domine, de morte transire
Ad vitam, quam olim
Abrahae promisisti et semine eius.

Hostias, hostias, hostias, et preces tibi (x4)

Hostias, hostias, hostias, et preces tibi (x4)

Era de se estranhar, à epoca, o tempo que Ana Silvia, que adolescia pudica, dedicava aos vinhos e em geral aos brancos que, contra a luz da sacristia, davam a nítida impressão de água benta. Era assim que Ana Sivia (AS) tratava os brancos, "água benta." Aos tintos com ternura, chamava-os apenas "tintas". Vez por outra os misturava e chamava-os "rosas". Essas eram suas principais brincadeiras. As misturas de água benta com tintas. Enquanto suas amiguinhas, cantavam: se esta rua, esta rua, fôsse minha eu mandava, eu mandava ladrilhar.... ou : no céu, no céu, com minha mãe estarei... Ana Silvia misturava e embalava suas canções com músicas hereges e blasfemas como: Bebe Negão, Se fôsse (sic) pensa que cachaça é aqua (SIC) cachaça nom é áqua nom, enfim uma pecadora mirim ainda "lato sensu".

Capítulo II
O tempo passou e hoje Ana Silvia é uma próspera empresária da indústria de confecções de malhas que detém a grife: PEQUENOS PECADOS ou PESCOÇÃO que promove seus produtos com o mkt: COMPRE UMA CAMISETA DA PEQUENOS PECADOS E GANHE UMA MOCHILA

segunda-feira, 23 de junho de 2008

domingo, 22 de junho de 2008

A mulher seqüelada - Leia, amiga

Seqüelada. Haverá prazer maior do que uma palavra nova numa mulher das antigas? As letrinhas morrem de rir, a moça infelizmente não pára de chorar e de perguntar. O que aconteceu? Seqüelas doem. Por muito. Ligue seu aparelho estereofônico e escute as duas. Já teve a mulata que não está no mapa, o remédio que o doutor me receitou e tantas outras. Todas lindas. As certinhas do Lalau, as garotas do Alceu, as dez mais, as chacretes, as existencialistas com toda razão, as boazudas, as frenéticas, as sufraguetes, as marias chuteiras, as socialites, os brotos, as gatinhas, as cachorras e as eternas cinéfilas cubistas do Estação. Agora é a vez da mulher seqüelada, a mais triste. O trema é antigo, o sentido novo. O problema, coitadas, o mesmo de sempre. O medo, a quase certeza, de que neste momento existe outra tocando a pele dele e o enleio de ontem, o conluio da véspera, foi o último. O medo, a absoluta certeza de constatar que o amor é feito de mãos e dentes, o resto se desfaz na vaguitude dos espíritos, no desespero das saudades, na obsessão eterna, amém. A seqüelada não está no dicionário. Houaiss. Aurélio. Eles não sabiam ainda. Perderam este bonde semântico. Homens tradicionais, todos bem casados, não sabiam nada do pegapracapá amoroso. Nossos dicionaristas não tiveram o prazer. Pularam o verbete. Maysa era uma seqüelada quando cantava meu mundo caiu e me fez ficar assim. Estropiada. Desparagonada. Anarquizada. De quatro. Ela sofria. Dois imensos olhos não pacíficos chorando abandonos semestrais. Nora Ney, então, nem se fala. Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de bem me quer. Hoje há cantoras ecléticas, seqüelada nenhuma se admite. Seqüelada, ouço-as maldizer, ficava a vovozinha. Não que seja praga-e-budapeste insuperáveis. Não lhes ria. Acontece um dia e a todas em sua hora de desespero o rótulo lhes caberá naquele esgar de sempre. Ali, na esquina do buço dourado com a covinha da bochecha. Todos saberão ou, os mais míopes, ouvirão que você não balbucia outra coisa. Ele. Sumiu. Volta? Há a mulher da vida, a Maria ninguém, a canhão, a hippie, a vai com as outras, a vizinha faladeira. A seqüelada já estava nas cavernas egípcias, nenhuma novidade no seu despudor sofrido. Os gregos, os portugueses, os fenícios, todos os homens em algum momento iam embora e deixavam a pobre coitada a perguntar para os amigos. Por quê? Disse que me queria. Rimou as mais doidas poesias. O amor é sentimento ou matéria? Dar ou receber? Por que o espírito é tão possessivo? Noventa por cento do tempo dela são dedicados a tentar entender o na maioria das vezes verbalmente inexplicável. Ele não ligou. Disse que vinha. A mulher seqüelada é isso que você já percebeu. Aquela que ficou traumatizada pela tristeza que Vinicius anunciava na canção. Se a vida é a arte do encontro por que tanto desencontro nessa vida. Eu encontrei uma seqüelada dias atrás e ela me foi sincera no pedido. Que eu a ajudasse a colocá-la no sono daquele certo homem e ele nunca mais dormisse em paz. Nunca mais acertasse o tom de uma música, nunca mais concordasse o verbo com o sujeito, nunca mais acertasse o foco e a luz de uma maldita foto. Que a seqüela atravessasse a rua, sem sinalizar seu novo rumo, e de surpresa, como o carcamano tinha feito com ela, como uma Pajero desgovernada, agora o atingisse — e eu amanhã publicasse no jornal a mais linda das notícias. Que os sinais vitais do indigitado, o seu orgulho de macho, a soberba dos que abandonam, já não estavam mais preservados. Havia se ido desta para uma pior e que a assombração de seu grito de orgasmo pairasse toda noite sobre aquela última a quem ele havia tocado a pele. Só assim ela, a seqüelada que me pede ajuda, se libertaria de reinventar todos os dias os olhos de desejos que ele, ainda anteontem pela manhã, debruçava sobre seu corpo. Só assim ela se livraria do gosto da hóstia consagrada que em seguida ele colocou, recitando o mantra lírico-safado dos amantes, em sua boca arfante. Ela queria mais, mais, mais, e agora sabia tudo em vão. A seqüelada é aquela que se espanta com a voz do corvo na orelha. Nunca mais. Nunca mais. Certas noites ela pede para que a igreja evangélica logo ao lado amplifique dez vezes os gritos de aleluia e lhe apague o corvo das orelhas. Mas o corvo também tem seu sistema de som e TV. Nunca mais é nunca mais. Fala mais alto. Maria Adelaide do Amaral, da minissérie “JK” me perguntou outro dia. Como se dizia lésbica nos anos 50, já que lésbica propriamente não se dizia nos anos dourados da repressão sexual. Cassandra Rios parece que carregava o estigma, nenhuma mais. Sexo não era essa alaúza de agora. Eu arrisquei paraíba e parece que alguém vai ser chamada assim na TV. Não vem ao caso. Seqüelada não tem nada a ver com isso. Pelo contrário. Ela gosta é dos homens, mas geralmente dos homens errados. Tem a ver com a paraíba, mulher macho, sim senhor, apenas porque os rótulos são cruéis e ajudam a entender em quatro sílabas as 500 páginas da odisséia de Ulisses. Entre os adolescentes, por exemplo, há uma seqüelada diferente. Para eles a seqüelada é apenas a mulher lerda, meio viajandona , que não entende bem as coisas. Sofre das idéias, os buracos da maconha já apagando uns arquivos da memória. Na faixa acima dos 30 anos as seqüelas são outras. Atacam o coração. A seqüela identifica a vítima de um cretino qualquer que prometeu mundos, fundos e uma viagem para os cafundós mais profundos onde ninguém interromperia a pressa de suas mãos e dentes. Foi o que ela entendeu e agora ei-la aqui. De quatro, feito a outra. Na véspera do Natal, na noite de aniversário, minutos depois de ter sido presenteado com uma caixa de DVDs dos Beatles, o cara não explicou muito bem o que estava acontecendo para aquele súbito tremor nos artelhos. Arriscou umas palavras vagas sobre a complexidade de se estabelecer um tempo comum entre eles. Parou no meio de uma frase sobre a falta de sintonia entre a ambição física e a correspondência dos sentidos. Olhou turvo para a mosca varejeira que passeava sobre a pia. Bateu a porta como se fosse ali no quiosque comprar flores. E foi. Para sempre. Nem se dignou ao aviso. Era a extrema-unção dos católicos, a saideira do Braca, o baile da cremação das tristezas dos carnavalescos, o último acorde para os melômanos, o trilar do apito para os boleiros. Bateu a porta e inaugurou no peito de mais uma muher a seqüela terçã que a tudo embaça e não deixa crer que amanhã, e nem mesmo depois do carnaval de satisfaction dos Rolling Stones, nunca mais será outro dia. Maldito o amor lhe seja.
(Joaquim Ferreira dos Santos)

Um fado-homenagem

Talvez por muito amar a liberdade
Invejo a vida livre dos pardais
Mas prende bem teus braços sem piedade
E eu juro da prisão não sair mais.
Não posso ouvir o fado sem vibrar
E não domino em mim a febre de o cantar
Mas dá-me um beijo teu fremente
Verás que fico assim, calado eternamente.
Adoro a luz do sol que me alumia
Por grata e singular mercê de Deus
Mas fecha-me num quarto noite e dia
E eu troco a luz do sol pelos olhos teus
Não posso ouvir o fado sem vibrar...
Baixinho aqui pra nós, muito em segredo
Eu sempre fui medroso até mais não
Mas pra que sejas minha não tenho medo
Nem mesmo de perder a salvação.
Não posso ouvir o fado
sem vibrar...

(Frederico De Freitas / Silva Tavares)

quinta-feira, 19 de junho de 2008

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Conflito

Ai, meu coração que não entende
O compasso do meu pensamento
O pensamento se protege
E o coração, se entrega inteiro
sem razão
Se o pensamento foge dela
O coração a busca, aflito
E o corpo todo sai
tremendo
Massacrado e ferido do
conflito...

(Petrúcio Maia /Climério)

segunda-feira, 9 de junho de 2008

The Shining


Ter o que dizer, arrancar a ferro as palavras de dentro. Ai, que esforço... Ando calada observando os passos, não, não à espreita, mas curiosa com os movimentos. As ações me instigam, mas não vou além disso. Aqui, quieta, tenho a mim e a você. É o que quero que dure. Sem tempo. Já corri os riscos e durmo sobre um alçapão.

Minha cabeça está cansada. Trabalho, trabalho, trabalho. Só trabalho sem diversão faz de jack um bobão. O Iluminado. Um filmaço. Gosto de Kubrick muita coisa, mas hoje não. Hoje, quero ir para o travesseiro pensar no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Rezar por nós, agora e na hora de nossa morte. Assim seja.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Cântico dos Cânticos (Salomão)

"Beije-me ele com os beijos da sua boca; porque melhor é o teu amor do que o vinho."

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O que vejo na parede vazia à minha frente

A pedido de um visitante do blog, vou fazer esse exercício.

Para enxergar a parede vazia, tenho que me abstrair do computador, bem mais próximo que a parede. Sim, agora não há nada, só a tinta verdinha. (Sou interrompida pelo gol do Fluminense de empate em 2 a 2 e desconcentro. Volto a tentar)
Crio uma porta nessa parede e, sem entrar nem sair, ali está o meu sonho, com nome e rosto. Às vezes, fica maior que a porta e paralisa o vento. Não há mais parede, mas uma passagem interrompida. Atenta aos meus batimentos cardíacos por estar tão próxima ao sonho, percebo que há ritmo e calma, mas não estou segura de que seja de todo paz. Neste momento, tenho a certeza de não querer que nada se perca ao redor, então, não me movo, contemplo quieta. Ele, o sonho, continua ali, pertinho, brincando de girar na porta como uma catraca, criança.
Nunca haverá vazio na minha parede nem em nada que eu olhe e tampouco na minha vida, visitante, porque carrego meu sonho comigo e o projeto no mundo. Somos irmãos irmanados, eu e ele, e sinto que nunca estarei só. Um alívio, afinal, isso de não temer a solidão.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Grande Sertão: Veredas

"Que o que gasta, vai gastando o diabo de dentro da gente, aos pouquinhos, é o razováel sofrer. E a alegria de amor - compadre meu Quelemém diz."

segunda-feira, 26 de maio de 2008

e agora só me restam
os poetas gregos.
O silêncio diz - esquece.
E o espinho da rosa enterrado no peito
é meu.
Os deuses não assistiram a isto.

(Maria Alexandre Dáskalos - Angola)

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Sayonara

Já há meses terminei Sayonara, Gangsters, do Genichiro Takahashi. Fiquei meio elétrica quando li. Comprei o livro por acaso, acho que pelo "sayonara", por ser a palavra japonesa para despedida - e eu ando mesmo em um longo período de adeus. O livro é tudo: belo, poético, intrigante, esquisito, viajante, febril. As expressões e referências dele são saudade para mim.
"Dói dói e tenho medo medo medo".
Tenho medo. Mas, estranhamente, tenho paz nesta minha prisão de pavor. Uma tranqüilidade inquieta, é verdade. Não me jogo, por isso não caio, e assim flano paralisada na linearidade de uma vida que desconhece a espera em seu mais amplo sentido. Não é o que eu sou, mas no que me transformei temporariamente sem minhas emoções de casa dos espelhos. Conformada, sigo, só em uma direção: a do tempo. Em uma direção, só, conformada, sigo. Vou rápido para me iludir com os movimentos de fora acenando para minhas sensações congeladas. Sayonara.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Roubei, lalalalaiá

"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida." (CL)

terça-feira, 20 de maio de 2008

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Na praia

Você deve ter percebido. Foram alguns segundos de hesitação, o tempo de entender por que alguém que não agradece nem a e-mails de felicitação estava ali me chamando pelo nome completo num domingo ensolarado na praia. "Você caminhou até ele devagar, titubeante, como alguém indo ao encontro de uma dor inevitável", descreveu a amiga que me acompanhava. Segundos antes de ouvir sua voz, eu ria muito. Tinha visto o homem que vende CD em cima de uma bicicleta passar tocando uma música – creio que autoral, sim, respondendo à sua indagação de ontem – que diz "você me deu um pé-na-bunda e eu fui parar na ‘encruza’ de onde um dia te tirei" e me preparava performaticamente para contar à amiga a história das orações que trazem o amor de volta. Tudo parou ali. Quase tudo. Paradoxalmente, o coração acelerou e a cabeça explodiu. O que eu havia imaginado sobre um possível encontro ao acaso não era nem de longe aquela realidade suspensa.
Cheguei a você. Beijos no rosto. Na verdade, beijos no ar. As bocas também estavam desconfiadas e atentas. Você procurou quebrar o gelo meio sem jeito: "Estava pensando em você na praia. Você... nós... aqui...". Pensando em mim? Ah, sim, me lembrei da penúltima lição: as pessoas podem dizer qualquer coisa, mesmo que não seja verdade, pois vivemos cercados de mitômanos, e que se dane o sentimento do receptor. Minha resposta veio embalada em constrangimento: "Estou indo ao Arpoador. Costumo fazer de bicicleta, mas hoje vim a pé". E a conversa foi rolando evasiva. Filhos, trabalho, sua hérnia cervical. Só sei dos assuntos porque minha amiga percebeu meu estado auto-induzido de DDA e anotou tudo de cabeça para me contar depois. Ali, naquele momento, eu só olhava para seu rosto, tentando despir seus olhos claros dos óculos escuros, acessório que também me defendia de você.
Suas mãos chamaram a atenção. Elas se escondiam. Você não queria que algo fosse visto. Aliança? Tremores? As mãos brincavam ora atrás da cabeça ora atrás do corpo e ajudavam a me distrair. A amiga ofereceu água a nós dois, mas recusamos. "Vocês precisavam", comentou ela depois, elogiando minha educação e cordialidade em meio à tanta emoção – estou falando de mim, não sei o que você sentiu, pode ter sido até indiferença.
Não dissemos adeus. Só avisei que continuaria a caminhar rumo ao Arpoador, já que despedidas nunca nos caíram bem, sempre vieram seguidas de lágrimas, da minha parte, e dúvidas, de ambos. Por isso - não lhe contei por falta de disposição -, eu me esforcei para entender e engolir o choro quando peguei na minha portaria um envelope contendo R$ 80 e uma singela mensagem de "boa sorte". Ficou meio esfumaçada a história dos R$ 80, porque sempre o tive como educado o suficiente para não devolver um presente. Mas essa foi a última lição: não confie jamais na percepção dos apaixonados. O "boa sorte" botei na conta do sucesso que fazia na época a música da Vanessa da Mata com o bacaninha do Ben Harper.
Voltando à praia, confesso que desabei dez passos após deixá-lo próximo à Rua Henrique Dumont, assim que a adrenalina desconcentrou-se no meu sangue. Chorei um pouco, mas eu sempre choro mesmo. Desistimos do Arpoador por falta de areia. No Posto 9, joguei meu corpo no chão e pensei em palavras de consolo que lembravam as ondas ali: deixar vir e deixar ir, deixar vir e deixar ir...

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A nuvem não é cigana nem passageira

Só rezo. E me entorpeço.
Pai, fica bom logo.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Esta é a única melancia aqui

Para os bonitões que resolvem entrar no meu blog depois de ver a Mulher Melancia depiladona lá no blog do Urubu: aqui não há nada sobre ela! O taradão é o meu amigo querido, ok? Aqui é papo meio mulherzinha. Coisa poesia (lá também tem), coisa coração (lá também), diário, homenagens e coisa e tal. Mas não tem FOTO DE MULHER PELADA, NÃO.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Meu Deus, por que não há sono pra mim?

Rezo para o Cristo iluminado que eu vejo da janela me ninar. Preciso fechar os olhos um pouco e não consigo. Fiz três horas e meia de ginástica e só sinto os músculos chiando. Não há cansaço que me leve para a cama. Pelo amor dos santos, paz e bem para mim. Paz e bem para todos os próximos. E mais ainda para os distantes, que eu não posso abraçar quando quero ou quando eles sentem alguma dor de repente.

Agora a tadução

A lua no espelho da cômoda
está a mil milhas, ou mais
(e se olha, talvez com orgulho,
porém não sorri jamais),
muito além do sono, eu diria,
ou então só dorme de dia.

Se o Mundo a abandonasse,
ela o mandava pro inferno,
e num lago ou num espelho
faria seu lar eterno.
- Envolve em gaze e joga
tudo que te faz sofrer

no poço desse mundo inverso
onde o esquerdo é que é o direito,
onde as sombras são os corpos,
e à noite ninguém se deita,
e o céu é raso como o oceano
é profundo, e tu me amas.

(Paulo Henriques Britto)

Insomnia

The moon in the bureau mirror
looks out a million miles
(and perhaps with pride, at herself,
but she never, never smiles)
far and away beyond sleep, or
perhaps she's a daytime sleeper.

By the Universe deserted,
she'd tell it to go to hell,
and she'd find a body of water,
or a mirror, on which to dwell.
So wrap up care in a cobweb
and drop it down the well

into that world inverted
where left is always right,
where the shadows are really the body,
where we stay awake all night,
where the heavens are shallow as the sea
is now deep, and you love me.

(Elizabeth Bishop)

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Hoje: Ordinary World (Duran Duran)



Where is my friend when I need you most?
Gone away

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Eu sempre te amarei...


...onde estiver, estarei com meu Mengão...



quarta-feira, 30 de abril de 2008

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Testamento

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

(Manuel Bandeira- 1943)

Papo mulherzinha


Harrison Ford depilou o peito para protestar contra o desmatamento, diz ele. Então eu também resolvi protestar. Contra essa tristeza. L'amour est bleu. Violets and sadness are blue. E se eu beber muito, fico blau, na Alemanha. Por isso pintei minhas unhas de azul, exatamente como as da cantora aí. Dizem que é a última moda. Olho e unha azul. O esmalte Blue Satin, da Chanel, está esgotado. Dei meu jeito. E por falar na onda azul, uma borboleta azul me seguiu pela rua durante metade do meu trajeto para o trabalho. Quase dez minutos esvoaçando ao meu lado a belezura.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Boa noite com um presente

As pedradas de Sharon Stone, QI 154

Se você não quer os meus pêssegos, não sacuda a minha árvore.
Mulheres podem ser capazes de fingir orgasmos. Mas os homens podem fingir toda uma relação.
Eu acho que todos os homens são cachorros. Cedo ou tarde eles começam a latir.

Knowledge


Now that I know
How passion warms little
Of flesh in the mould,
And treasure is brittle,--

I'll lie here and learn
How, over their ground
Trees make a long shadow
And a light sound.

(Louise Bogan - 1923)

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Ain't No Sunshine (autor: Bill Withers)

O cheiro do éter

Vivi uma infância entorpecida pelo éter em Copacabana, para onde me mudei aos 7 anos, depois de sair da Ilha do Governador. O cheiro espalhava-se pelo Posto 5, no rastro de um grande homem andrajoso freqüentemente visto arrastando-se pela Barata Ribeiro. Ele rondava a famosa - e fechada - farmácia Piauí, quase na esquina de Constante Ramos, mas não sei se comprava o vidrinho do produto ali. Os conservadores moradores usavam aquela figura, se não me engano, chamava-se Eduardo, para afastar os filhos das drogas naqueles anos 70. Diziam ser ele um rico herdeiro que havia enlouquecido por causa de maconha, cocaína e ácido e que, agora, afastado da família abastada, pedia esmolas para comprar éter. Eu o vi várias vezes dando suas cafungadas no paninho embebido do líquido, mas nunca acreditei muito no papo da riqueza dele. Para mim, o mendigo era triste, muito triste, e isso só poderia se explicar por alguma desilusão romântica. Inventei uma história para o homem que por um tempo ocupou o lugar das minhas bonecas nas brincadeiras de desvarios. Ele não seria do bairro, mas teria ido à praia lá e encontrou uma 'cocota', por quem se apaixonou. A moça o esnobava, mas ele não ligava, só queria ficar perto dela. Nunca mais voltou para casa, vivendo da piedade alheia. O tempo passou, ela se casou com outro e mudou de lá. Alucinado de dor, o pobre passou a se anestesiar com éter. Fez voto de silêncio - realmente, nunca ouvi sua voz -, parou de tomar banho e fugiu do lugar-comum chamado realidade. Procurava seu amor contrariado sempre rondando quatro quarteirões. Em vão. Seu pé, inchado como seu fígado, sangrava, assim como seu peito. Um dia, Eduardo chorou muito, e as lágrimas cheiravam a éter. Ele, então, cobriu os olhos e o nariz com seu paninho sujo e ficou agonizando três dias assim. Depois disso, ninguém mais o viu. Eduardo sumiu. Virou folclore para os copacabanenses e marco de tristeza para mim.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Notícia sensacional

MOSCOU, 22 ABR (ANSA) - O jornal russo "Moskovski Korrespondent", que
publicou na última semana a notícia da separação entre o presidente
Vladimir Putin e sua esposa, desmentiu o caso afirmando que o
"affaire" entre Putin e sua suposta amante, a jovem ginasta Alina
Kabaeva, foi inventado para cobrir um espaço vazio na página de
política quando a equipe de redação estava bêbada.

"Tínhamos um buraco que não podíamos encher com os personagens de
sempre do show business, e, já mais à noite, cansados e estressados,
acabamos bebendo demais. Não saberia dizer quem teve a idéia", disse
ao tablóide Izvestia o jornalista Lev Rishkov, um dos redatores da
notícia, que também publicou na internet uma longa confissão, motivada
provavelmente por pressão dos dirigentes do jornal e do próprio
gabinete presidencial

domingo, 20 de abril de 2008

Cena do cotidiano

- Diz que não gosta de mim, assim fica mais fácil (ela chorava ao celular).
- ... (não sei o que a pessoa do outro lado da linha falou, mas imaginei algo como "não posso dizer")
- Por quê? A gente está se despedindo (soluços de dar pena).
- ... (também imaginação minha: "porque não é verdade"
- Mas se você gosta de mim, por que a separação? Tá doendo... (a bichinha se contorcia de rejeição)
- ... (mais uma vez: "não gosto de você do jeito que você gosta de mim").
- Como assim? E os 'eu te amo' que você me dizia? E os poemas? Tudo isso só para me comer? (o choro cessou com a raiva).
- ... ("coisas de momento")
- Ah, coisas de momento... (olhando fixamente o mar como uma pré-suicida e limpando as lágrimas). Tudo bem. Vai passar.
- ... ("você vai ficar bem")
- Vou. E você também, infelizmente.
A garota desligou e ficou segurando o celular. As lágrimas voltaram. Ela percebeu que eu tinha ouvido tudo. "Acabou", disse-me. "É, estou vendo", respondi, sem tentar disfarçar. "Ele era a minha vida" (entre soluços). "Ninguém é a vida de ninguém", ponderei. "Sem ele, nada faz sentido", desesperou-se. "Nada faz sentido nunca", consolei. "Como assim?", surpreendeu-se. "Enquanto ouvia sua conversa, pensei nas minhas separações. Foram muitas. Dois dos meus amores, eu afastei com viagens. Outro, com quem quis viver até morrer, me traiu. E olha que ele dizia que queria fazer um banco para sentarmos juntos e vermos nossa velhice passar, assim como o Jorge Amado construiu na casa dele de Rio Vermelho. Pra ele e a Zélia Gattai. Esse golpe foi duro, me tirou do prumo. O último agora, coisa recente, perdeu-se na bagunça do seu coração, plagiando o Chico." "Você gostava dele?" "Gostava e, por gostar, estou tentando dar a ele o que ele queria: o esquecimento." "Não entendi." "Nem eu, são mecanismos que a mente cria, sei lá. Ontem, um amigo nosso me ligou, pedindo o celular dele e, imagina, descobri que não sabia mais de cabeça! Acredita? Sei os números finais, mas não lembro de jeito nenhum o início." "Estranho..." "Não é? Fiquei pensando nisso... Ele é meu gatinho de Cheshire, aquele da Alice, que desaparecia, você conhece? Primeiro o corpo, depois o rosto, depois o sorriso." "Sorriso?" "Escárnio. Hahahahahaha. Você acredita que ele me enviou uma carta de amor e, meses depois, quando mostrei a ele, disse: 'que linda carta de amor que você me escreveu'? Ele não lembrava que era dele, esqueceu as próprias palaras... " "Vocês terminaram há muito tempo?" "Nunca começamos de verdade." "Você sofre?" "Por quem?" "Ele." "Ele ou eles?" "Tá. Eles." "Sofro por mim. Autopiedade. Uma merda." "Você acredita que eles a esqueceram?" "Claro que não. Sem modéstia nenhuma. Desses aí, para não aumentar a lista, o primeiro recentemente encontrou uma amiga e perguntou por mim, como eu estava, se estava casada, se tinha alguém, disse que queria me ver. Tô fora. O segundo reviveu a história comigo e disse que procurava a mim em todas as mulheres com quem se relacionou. O outro, traidor, altera-se sempre que fala comigo. Nunca é normal. Há sempre mágoa, raiva e culpa nas palavras escolhidas. E o último não consegue falar comigo. Isso é muito emblemático." "Eu estou péssima..." "Mas é para estar mesmo, não tem nem dez minutos que vocês terminaram. Desculpa perguntar, mas qual foi o motivo?" "Ele não sabe se gosta de mim." (volta a chorar muito) "Só o tempo vai dizer para ele isso, flor, espere com coragem. Depois, se ele continuar sem resposta, esqueça." "Sofri muito por ele..." "Esse problema não é dele, é seu, lembre-se disso." "Mas ele me sacaneou tanto..." "Já esse é um problema dele, não seu." "Ele mentiu." (choro altíssimo, que começou a me fazer sentir mal) "Não chora, vai... Você quer um amor, uma vingança ou um prêmio de consolação? Porque você não está me dizendo que o quer porque ele é bacana ou inteligente ou gostosão. Você o quer porque ele te fez sofrer, mentiu pra você... Desculpa, querida, mas isso ou é para se vingar ou é para ficar com ele como prêmio de consolação pela sua miséria." "Mas eu queria falar todas essas coisas que passei para ele." "Para ele se sentir culpado e voltar?" "Você agora está me deixando confusa..." "Se o cara a fez sofrer, para que voltar?" "Para dizer essas coisas". "E receber um afago e outro pé-na-bunda? Fala sério." "Tenho que engolir as palavras? Nem direito ao desabafo tenho mais?" "Vai adiantar? Desabafo traz amor de volta? Acho que é bom engolir, sim." "Mas ele tem que saber..." (choro alto). "Ele sabe. Olha, flor, se isso a consola de alguma forma, uma amiga minha tem uma frase genial para essas situações: 'Um dia a gente se encontra no inferno'. Se o cara foi mau, se a enganou, se tá te fazendo chorar assim... hahahaha... não tem jeito, vocês vão se encontrar no inferno. Espere." "Isso é muito pesado... Mas traz algum alento." "Um amigo meu me consolou uma vez com uma frase do Verissimo: calma, calma, 'daqui a 50 anos vamos estar todos mortos.". "Mas no inferno?" "Não há escapatória. Eu também vou estar lá. E aí te apresento aos meus ex."

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Só o Urubu

Meu amigo Urubu comentou que alguém entra muito no blogue dele, veja na lista dos navegantes, pondo no google "dei para o melhor amigo do meu neto". Estranho essas palavras estarem lá, mas o Bubu é surpreendente. Depois que ele contou isso, comecei a olhar os visitantes daqui e seus motivos. Há muitos que chegam buscando "carta de amor", "carta de amor eterno", "lembranças infantis", "histórias de amor onde um o ama e o outro não", e assim vai.
Em outras palavras sou muito romântica.

Carta a um(a) visitante

Você esteve aqui comigo por uma hora e meia. Conheceu minhas inseguranças, minhas tristezas e alegrias, meu amor, o motivo da válvula de escape. Descobriu o "halo" deste blogue, como está lá no post da Clarice, do qual vi que gostou pelo comentário. Na verdade, não foi uma descoberta sua, mas um reencontro, um retorno. Educadamente, como um(a) amigo(a), pediu desculpas por ter demorado a voltar. Entrou as duas vezes pela "Eubiose e as blagues" e deixou as perguntas: "Por quem os sinos dobram? E... por que os homens choram?". À primeira, vou responder com palavras do poeta inglês John Donne:
"No man is an island, entire of itself; everyman is a piece of the continent, a part of the main. If a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were: any man's death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bells tolls; it tolls for thee."
Dobram por você, amigo(a) visitante.
Sobre a razão de os homens chorarem, não sei se você se refere ao sexo ou à humanidade. Se for ao macho, talvez um homem possa responder melhor que eu. Acho que choram pelos mesmos motivos que as mulheres, com exceção dos hormonais: saudade, saudade, saudade, tristeza, culpa, impotência, raiva, dor. E também felicidade.
Mas eu queria mesmo, visitante do Centro-Oeste, era agradecer seu comentário carinhoso: "Minha mãe catava feijão conversando com minha avó, e me dava cascudo quando eu chegava atrapalhando. Hoje catamos páginas como a sua."
Ah, pessoa, sua visita epifânica me fez sonhar com alguém para quem eu gostava enormemente de escrever e que há muito não aparecia etereamente para mim em rosto, corpo, olhos, sorrisos. Obrigada. Como você não deixou e-mail, dedico-lhe o texto, minha única forma de comunicação, esperançosa de que volte mais uma vez para ler. Obrigada pelo sonho que me proporcionou, você não imagina a saudade que eu sentia daquela imagem. Obrigada pela paz. Obrigada por me fazer visualizar você na varanda da sua casa, olhando a chuva na sua cidade, pensando na foto da casinha da minha amiga Anna. Obrigada por me emprestar seu colo para eu dormir.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

quarta-feira, 16 de abril de 2008

E Um Beijo Roubado para terminar

De forma doce, resgatando a leveza.
Uma dose diária terapêutica de Wong Kar Wai para flutuar e dormir contando Jude Laws. Esse homem não existe.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Clarice, para começar o dia

O que te escrevo não tem começo: é uma continuação. Das palavras deste canto que é meu e teu, evola-se um halo que transcende as frases, você sente? Minha experiência vem de que eu já consegui pintar o halo das coisas. O halo é mais importante que as coisas e as palavras. O halo é vertiginoso. Finco a palavra no vazio descampado: é uma palavra como fino bloco monolítico que projeta sombra. E é trombeta que anuncia.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Nirvana

Fragmentos de texto de Alcione Araújo

O AMOR COMEÇA
O amor acaba, afirmou, reiterou e repisou, meu amigo e vizinho Paulinho Mendes Campos em crônica célebre. A perplexa constatação parece surpreender o cronista. Mais do que isso, parece consterná-lo. Até Vinícius de Moraes, profissional da paixão, conforma-se a que o amor acaba. Sonha apenas que seja infinito enquanto dure. O amor acaba como a noite sufoca o dia, como o despertar afugenta o sonho, como o ar aspira a fumaça do cigarro. Mas, se o amor tem crepúsculo, tem também a manhã dos inícios. O amor começa. Num instante que pode ter se perdido no tempo, ou num recanto empoeirado da memória. (...)
Às vezes, uma pessoa arrepia-se de emoção ao se aproximar de outra. E pensa que o amor começou. Há que ficar atento. Pode não ser. Ela descobriu que precisa e quer a companhia da outra. Mas não significa que o amor começou. Outras vezes, o amor acontece em uma pessoa, mas não na outra. Não há culpa em não corresponder a um amor. Mas rejeitar amor dói. (...)
Imagine você: alguém está diante do amor, do amor definitivo, absoluto, imorredouro. Mas a pessoa não o reconhece, não o percebe, não o intui. Como o faria, se nunca o sentiu, nunca o viu... Eis a ironia: o que mais se busca é o que menos se conhece. Nunca se saberá se encontrou. Será mesmo este? Não será o seguinte? Ou o anterior?

domingo, 13 de abril de 2008

Fôlego, o filme

Nosso umbigo é nosso umbigo é nosso umbigo é nosso umbigo. Moralista. Conformado.
Bom mesmo foi feijoada na Sambaíba, foi pegar a bicicleta na Carlos Góis para mergulhar no Arpoador. Deus salve esses dias ensolarados.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

Escribir, por ejemplo: "La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos."

El viento de la noche gira en el cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.

En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.

Ella me quiso, a veces yo también la quería.
¡Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos!

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.

Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.

¡Qué importa que mi amor no pudiera guardarla!
La noche está estrellada y ella no está conmigo.

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.

La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

Yo no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise...
Mi voz buscaba al viento para tocar su oído.

De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.

Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

De um texto de DaMatta

(Rezar e Chorar - publicado no Globo na semana passada)

"Nos últimos anos, a vivência da perda irremediável conduziu-me a uma descoberta fora do comum. Levou-me ao entendimento que chorar é uma forma de rezar. Choro, logo rezo; diria elegantemente um cartesiano. Rezo, logo choro; diria um estruturalista com gosto pelas esclarecedoras reversões que ajudam a descobrir dimensões ocultas; e a relativizar verdades e crenças estabelecidas.(...) Em ambos está contida a experiência fundamental quando nos confrontamos com as situações fora de controle: com as negativas que nos roubam o pai, o filho, o amante, o irmão e o amigo; ou com as moléstias que corroem as pessoas amadas. No soluço que nos sacode o peito e nos faz gemer de dor pela nossa condição de miséria e finitude, há o reconhecimento de que somos incompletos, perdidos, frágeis e fáceis de atingir porque tudo o que temos é relativo e passageiro. "

domingo, 6 de abril de 2008

Mia Couto

A Fábula do Macaco e do Peixe

Um macaco passeava-se à beira de um rio, quando viu um peixe dentro de água. Como não conhecia aquele animal, pensou que estava a afogar-se. Conseguiu apanhá-lo e ficou muito contente quando o viu aos pulos, preso nos seus dedos, achando que aqueles saltos eram sinais de uma grande alegria por ter sido salvo. Pouco depois, quando o peixe parou de se mexer e o macaco percebeu que estava morto, comentou - que pena eu não ter chegado mais cedo!

'Dingão' - para o Zé e o Uchoa

Pegou em casa a tequila ouro que o amante miserável trouxe da viagem e levou para a mesa do bar, onde amigos a esperavam. Era dia de porre anunciado. Na mesa, cinco que entornavam cervejas e cachaça olharam para ela com admiração quando a garrafa foi posta com proposital barulho brindando à revelia os copos. Vambora beber. Quietinho e só sorrisos, um habitué das farras e calçadas da Farani olhou para o grupo. Interessante, pensou ela na terceira virada da tequila, que não resistiu nem dez minutos aos sugadores de álcool. Vaquinha rápida, reclamações de preço, corrida ao posto no início da Pinheiro Machado e tudo resolvido. Outra garrafa na mesa. Hmmmmm... Ele tá afim. Não tira os olhos, ela reparava. O quase fim da segunda tequila a fez lembrar que havia uma festa para ir. Traçou uma reta na sua cabeça já entalada nos efeitos "sombreros" da bebida, rumou ao piteuzinho e cobriu os lábios dele com o gosto do México. Nenhuma palavra foi dita. Atônito, ele sorvia as gotas da boca da louca. Tenho uma festa para ir no Humaitá. Vai comigo, gostoso. Bebidinha de graça. Ele, o amigo dele e a namorada do amigo toparam ao mesmo tempo. Chegaram à festa quando o torpor da tequila dava adeus a ela, deixando em seu lugar um mal-estar horrível, uma sensação de cabeça presa num imenso pião e pernas para o ar. Ai, vou vomitar. Não, aqui, não, maior mico. Viu que seus convidados estavam bem e saiu à francesa. Disse o endereço de casa entredentes, largada no banco de trás do táxi, antes de o manto da amnésia cobri-la até a ligação de um amigo no dia seguinte: Pô, maneira sua ação social e emocional com o cara. Nenhum problema de ele e os amigos comerem lá e dormirem na cama do dono da casa. Mas poderiam ser mendigos menos fedorentos.

sábado, 5 de abril de 2008

Dois Vítor e um Hoffmann



Vítor Araújo relê Paranoid Android do Radiohead, de quem é fã - "ouço tanto quanto ouço Chico Buarque" -, dividindo a música em quatro interpretações: sua, de Chopin, de Bach e do próprio Radiohead. A música para ele está na vida, ou a vida está na música. O silêncio é música. Pernambucano. Torcedor do Náutico doente. Boquirroto. Fofo. Articulado. Enaltece Villa-Lobos, fazendo-nos chorar com a Valsa da Dor. "Percebam como a dor atravessa mais de 40 anos e é sentida até hoje como dor", diz com apenas 18 anos de vida, dos quais 9 pratica piano.

O outro Vítor poderia ser pai deste, com o qual sairia para "pegar" nos Bailinhos da vida. Briga contra o tempo com seus generosos olhos verdes. Inaciano, quase padreco, já estudou teologia. Desistiu. Esqueceu a fé pelas esquinas. Arremeteu-se para a filosofia - adora Nietzsche, quer exercitar o cérebro e passar as horas. Não diz de jeito nenhum a idade e ensaia um biquinho de criança quando questionado. Sabe que o "inverno no Leblon é quase glacial", por isso gosta de abraços quentes sobre a Academia da Cachaça.

Hoffmann foi uma surpresa. Lembro-me das lágrimas derramadas por me sentir incompetente na sua presença. Editor que cobrava mais do que sabia. E às vezes dava a impressão de não saber o que exatamente queria. Detonou em mim uma duodenite aos 23 anos. Mas o inferno virou céu. Agradeço-o por batalhar por mim para eu estudar na Espanha sem perder meu emprego. Veio ao meu encontro no bar, após 12 anos sem encontros. "Ana Silvia! Que bom vê-la bem. Se lembra de mim?". Minha memória apagada pegou no tranco. Bom vê-lo também, Hoffmann, meu professor de tolerância.

Semana marcada por três personagens masculinos distintos. Os homens são muito interessantes.

sexta-feira, 28 de março de 2008

VOLTA TUDO AO QUE ERA ANTES


ADIADA AD INFINITUM A IMPLOSÃO.
BREVE, AQUI, POST SOBRE O BAILINHO, A GRANDE SENSAÇÃO DOS DOMINGOS IPANEMENSES.

Contagem regressiva: nostalgia

segunda-feira, 24 de março de 2008

Finda a quaresma/Fim da quaresma

Canção
(Cecília Meireles)

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

domingo, 16 de março de 2008

De Patrícia Evans

PROMESSA

Vou te amar,
não como Ulisses amou Penélope,
Romeu, Julieta.
Jamais um amor de Otelo
ou Orfeu,
porém, nada menos incisivo;
vou te amar como Narciso.

quinta-feira, 13 de março de 2008

A Arte de Esquecer (extraído do Boletim Contato do IEA/USP)

"Somos aquilo se que nos lembramos", disse o pensador italiano Norberto Bobbio. O neurocientista Iván Izquierdo concorda, mas acrescenta: "Somos também aquilo que decidimos esquecer".
Segundo Izquierdo, que atualmente trabalha no Centro de Memória do Instituto de Pesquisas Biomédicas da PUC-RS, o ser humano esquece para poder pensar, não ficar louco, conviver e sobreviver. Caso contrário, todos seriam como Funes, personagem do conto de Jorge Luis Borges "Funes, o Memorioso", várias vezes citado por Izquierdo. Funes era capaz de lembrar absolutamente tudo que vivenciara. E como sua mente se saturava com lembranças minuciosas sobre tudo, era incapaz de fazer generalizações e, portanto, de pensar.
Assim como é fundamental exercitar a memória (sobretudo com a leitura, recomenda Izquierdo), para que as sinapses (conexões entre os neurônios) se consolidem e possibilitem a evocação de memórias, é preciso praticar a arte de esquecer para uma vida com maior bem-estar: "A arte de esquecer, como todas as artes, depende de sutilezas, contém muito de involuntário, e pode ser utilizada para o bem ou para o mal do próprio indivíduo".
A memória de trabalho é aquela utilizada para entender a realidade que rodeia o indivíduo, com o processamento imediato das informações recebidas, para a formação e evocação da memória de curta duração, que dura algumas horas, e da memória de longa duração, que dura dias, anos ou décadas.
A arte de esquecer deve ser aplicada para o bom funcionamento da memória de trabalho, na qual esquecer é parte da função, para que haja "o bloqueio sensato do excesso de informações que às vezes nos inunda".
Outro recurso é a falsificação de memórias, que o cérebro às vezes produz como um mecanismo de defesa, para nos sentirmos melhor com uma lembrança parcial ou distorcida de algúem ou de algo, no lugar dos aspectos desagradáveis ligados a esse alguém ou algo.
Há também a repressão, o esforço consciente ou inconsciente feito para não recordar continuamente ou fora do momento oportuno episódios dolorosos, humilhantes ou aterrorizantes.
A extinção e duas formas próximas a ela, a habituação e a diferenciação, muitas vezes não levam ao total esquecimento, mas refletem a arte de cancelar respostas já inúteis. O neurocientista explica que essa atitude pode ter enorme valor terapêutico no tratamento de fobias, pânico, angústia generalizada, estresse pós-traumático e outras doenças psiquiátricas.
O quinto componente da arte mencionado por Izquierdo é a chamada dependência de estado, em que o cérebro se reserva o direito de responder só quando estiver novamente sob a influência de determinado estado neuro-humoral e hormonal: "Serve, entre outras coisas, para trazer à tona formas de resposta ao medo só na presença de situações que as exijam".

Alguma coisa está fora da ordem

Li do Calligaris: "A mentira, num mundo opressivo, é uma forma aceitável de resistência."

quarta-feira, 12 de março de 2008

Arrumação de gavetas



Moldei seu corpo em brisa à beira-mar e ocupei o espaço, contrariando a física tradicional. A apnéia se foi, enquanto respirei você em breve viver. Mas o rosa fugiu do céu. Hora de trabalhar.

segunda-feira, 10 de março de 2008

De Anna Azevedo

SONHO, O TEMPO NOS LEVA.
DEIXEMO-NOS LEVAR,
É SUAVE...
FEITOS SOMOS DA MESMA MATÉRIA,
SIM, CORREMOS EM DIREÇÕES OPOSTAS ,
PORÉM,
NÃO, NÃO, VELHO AMOR, NÃO CHORE.
O BEIJO, DEIXE QUE DURE,
ESTA GOTA EM SEU OLHAR ,
QUE A BRISA SEQUE,
DEIXE, É SUAVE, ASSIM...
CESSA, A DOR, EM VENTO BREVE ,
VERÁS, O ENCONTRO, SEM MAIS A PRESSA,
VIRÁ, POIS ELA GIRA, GIRA, GIRA,
A TERRA E ENFIM, VELHO AMOR,
NA MESMA DIREÇÃO,
OLHE, PEGADAS NA TERRA ÚMIDA, AS NOSSAS.
NÃO, NÃO, NÃO SOFRA.
É BRANDO, O TEMPO, O VENTO QUE VAI... E VOLTA
ETERNA-MENTE.
JÁ QUIS REINVENTAR, DOBRAR A ESQUINA,
MAS ELA GIRA, GIRA, GIRA.
POR ENQUANTO: GUARDE O BEIJO QUE LHE DEI.

Show do Bob Dylan e um Prozac


domingo, 9 de março de 2008

Rasgue o coração.
Veja escorrer quente
o tormento.
Resistirei pátrio,
impávido
lívido
na fibra exangüe.
Não me fiz
de matéria presente
Sou ancestral
nessa cavidade
Éter do pensamento
Elo
Corrente
Cadeia
Até o infinito
da nossa agonia.

domingo, 2 de março de 2008

O Bom-dia do Haroldo

Enquanto meu coração suspirava por amores platônicos na infância/adolescência, eu me remediava nos dramas alheios. Todo os dias, às nove da manhã, ouvia o "Bom-dia", do Haroldo de Andrade. Era uma adicta. Depois da música de abertura - o Concerto para Piano nº1, de Tchaikovsky, forte para criar um clima, o radialista contava a história de um/uma ouvinte desesperado(a) que havia mandado uma carta ao programa. Era mais ou menos assim o começo: Há pessoas que acreditam que o dinheiro compra tudo: felicidade, desculpas, consciência. Que não conseguem enxergar a delicadeza da amizade, a dor do irmão, a importância da solidariedade. É disso que nos fala a carta do meu ouvinte de Madureira, fulano de tal...
Então, vinham as histórias: eram mães que abandonavam os filhos, mulheres traídas, velhinhos largados à própria sorte, gente despejada, pessoas doentes, as situações mais melodramáticas possíveis. No fim, Haroldo consolava de algum jeito, tipo assim: "Para você, sicrano, na esperança de que a tranqüilidade volte ao seu coração e que você possa ser perdoado pelo beltrano, o meu abraço, a minha amizade e este bom-dia...". E subia o som da música de Tchaikovsky.
Eu vibrava, adorava mais do que novela. O "Bom-dia" me fazia chorar, olhar para cada rosto na rua como um possível ouvinte, esquecer as minhas bobagens, inventar. O quadro, que abria Programa Haroldo de Andrade, falava de gente real, desprezada, angustiada, agonizante. O locutor era passional, não apenas relatava, mas afagava a vítima e apedrejava o vilão da carta em pleno ar. Era o máximo.
Depois que fui estudar de manhã, no científico, não ouvi mais, nem sei se o quadro continuou. No decorrer da vida, colecionei alguns poucos, mas agora sim verdadeiros, dramas para contar ao Haroldo e receber aquele emocionado bom-dia. Mas Haroldo se foi no fim de semana. Fica mais uma saudade de chorar na minha memória infantil.

sábado, 1 de março de 2008

Lindo

Lições de Vivência 1

Meus filhos nunca chuparam chupeta. Não dei pelo simples motivo de que acho horrível viciar crianças naquele plástico e depois, num belo dia, dizer a elas que é hora de jogar o segundo objeto do desejo que conheceram - o primeiro é o peito - no lixo, ou dar para o papai noel em troca de brinquedos (alguns pais criminalmente afanam e escondem a chupeta e botam a culpa em qualquer coisa, deixando lá os pequeninos a se esgoelarem). Há bebês, como os meus foram, que não querem substituir o bico quentinho, macio e de cheiro conhecido do seio por um látex qualquer. Ah, não, de jeito nenhum. Então os genitores desses rebeldezinhos enganam, falseando a borracha com mel, açúcar, funchicória. Se mesmo assim, adoçada, os pequenos senhores de si desdenharem a artimanha e cuspirem a chupeta, papai e mamãe ensinam aos filhinhos amados a primeira lição sobre o mundo cruel: manda quem tem mãos fortes e poder. Com a delicadeza dos dominadores contrariados, atocham o objeto na boca da criança e ficam lá segurando para evitar que a língua inconformada do neném o atire ao chão. O bebê, cansado, entende a mensagem. Aceita. Com o tempo, assim como a síndrome de Estocolmo, acaba pegando amizade, amor, naquela coisa. Alguns dão até nome à chupetinha, mais tarde, com um aninho e pouco. Então, tchau. Hora de acabar a brincadeira e aprender a segunda, ou terceira ou quarta lição do mundo cruel, porém muito importante e sofrida: afetos são descartáveis. Crescemos carregando a dor da perda. E nunca mais nos livramos dela.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Eubiose e as blagues

Se me fossem dados desejos, além de voar e teletransportar, eu queria conhecer o tal do meu superego, essa criatura assustadora onipresente, onisciente, oniapqp. Pintam horrores dos superegos alheios. Dizem que, se deixarem o bicho solto, o caminho é a morte, o prazer total. A coisa é poderosa. Mas a história é outra.
Do mesmo jeito que um dia acordei e vi o Gerson King Combo na minha frente - ele saiu da noite para me dar bom dia -, hoje fui parar em sonho dentro do blogue de blagues de um conhecido. Estava lá na minha cabeça como título de um post: "Eubiose". Sim, sabia que existia uma sociedade disso aí, mas nem sabia o que significava e muito menos entendi por que a criatura superego associou a palavra ao blogue e ao conhecido. Resolvi investigar. Está lá no Google:
Frase: "SPES MESSIS IN SEMINE (A ESPERANÇA DA COLHEITA RESIDE NA SEMENTE)". Hmmm... Não entendi.
Fui além na wikipédia: "É uma palavra criada pelo teósofo brasileiro Henrique José de Souza, a partir das raízes gregas Eu (eús, eú, bom, bem), bio (bios, vida) e -ose (osis, processo, ação, condição). Eubiose, portanto, significa: ação, processo ou condição de bem viver. "
Ah, tá. Mas que diabos eubiose tem a ver com as blagues? Foi uma mensagem subliminar? Valei-me, São Freud.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Ajuda teu irmão que Deus vai te ajudar




Ele parecia o modelo de Portinari para pintar O Lavrador de Café. Os pés no chinelo velhíssimo eram enormes, desproporcionais. Quando olhei, vi que rezava com fervor diante de um quadro de Santo Antônio. Ele percebeu. Virou-se para mim e me mostrou o braço machucado. "Toma, moça", disse, entregando-me um santinho de São Judas Tadeu. Logo o meu "seu Judas", poderoso com os rubro-negros e com os que querem soluções para casos impossíveis. "Reza por mim, que tô fazendo hemodiálise. Ajuda teu irmão que Deus vai te ajudar"", disse triste. Naquele momento, naquele convento, a frase ecoou. E rebateu no coração. Haviam acabado de me negar a mão, eu estava com febre, nauseada, insone, uma zumbi sem mato. Ajuda teu irmão. Abracei aquele irmão em pensamento, solidária na miséria, igual no abandono, enquanto o via se afastar, seguido por uma mosca, para se postar diante da cruz.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Um dia Antônio Maria total

"Às vezes, me sinto muito só. Sem ontem e sem amanhã. Não adianta que haja pessoas em volta de mim. Mesmo as mais queridas. Só se está só ou acompanhado, dentro de si mesmo. Estou muito só hoje. Duas ou três lembranças que me fizeram companhia, desde segunda-feira, eu já gastei. Não creio que, amanhã, aconteça alguma coisa de melhor."

Oração - Antônio Maria (1954)

"Rosinha Desossée, me tire desse quarto de hotel e de todas as coisas que entram pela janela; me leve para longe das palmeiras, mais longe e perto das coisas mais macias; me faça esquecer (depressa) os homens ruins — isto é: os que gostam de cebola crua; me ensine, Rosinha Desossée, tudo o que eu não aprendi: a cortar com a mão direita, a usar anel, a tocar piano, a desenhar uma árvore e valsar; e me lembre do que eu esqueci — raiz quadrada, (as mais ordinárias), frações, latim, geofísica e "Navio Negreiro", de Castro Alves; depois, me dê, pelo bem dos seus filhinhos, aquilo que eu não tenho há quase um ano, carinho — de um jeito que eu não sei dizer como é, mas que há, por aí ou, pelo menos, já houve; destelhe a casa, deixe a noite entrar e, juntos, vamos nos resfriar; espirre de lá, que eu espirro de cá... agora, cada um com a sua bombinha, inalação, inalação; lado a lado, sentemos, os dois de perfil para o ventilador; minhas mãos e as suas não são de ninguém, entendido?; se interesse por mim e pergunte o que eu sei, que eu quero exclamar, no mais puro francês: "oh!"..."comment allez vous"? (...) de um jeito ou de outro, me tire daqui, pra Pérsia, Sibéria, pro Clube da Chave, pra Marte, Inglaterra, sem couvert, sem couvert; está vendo o retrato dos meus 20 anos? de lá para cá, cansaço, pé chato, gordura, calvície fizeram de mim essa coisa ansiosa, insegura e com sono, que pede a você, no auge do manso: você, Desossée, não saia esta noite e fique, ao meu lado, esperando que o sono me tome e me mate, me salve e me leve, por amor ao teu andar, assim seja..."

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Pensata

Fui criada dando valor às palavras. Primeiro queria empregá-las certo. Depois, escrevê-las corretamente. Aprendi que uma pode ter vários significados, então comecei a brincar com elas, divertir-me. Meu pai ensinou-me a profundidade que podem ter, trazendo alegria, machucando, fazendo o interlocutor de bobo. Por isso, orientou-me a não mentir. Ouvi atentamente as palavras dele, como ouço as de todos, até porque são meu ganha-pão. E analisando meu amor às letras que se unem para formar nomes e significados de qualquer coisa ou sentimento penso em como essa vida seria melhor se houvesse um apego ao que se diz ou escreve sem estar com cabeça quente. Imagine o paraíso: discursos de campanhas cumpridos e um mundo só de seres preocupados em levar a sério expressões como "não vou ferir você nem magoar", "acredite em mim", "conte comigo", "pago assim que receber" e tantas, tantas mais.
Quem joga palavras ao léu e diz que é coisa de momento assina embaixo de (des)enganos. É melhor pensar duas vezes antes de reclamar quando se sentir lesado.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Foi um rio que passou em minha vida...


Ah, minha Portela!
Quando vi você passar
Senti meu coração apressado
Todo o meu corpo tomado
Minha alegria voltar
Não posso definir aquele azul
Não era do céu
Nem era do mar
Foi um rio que passou em
Minha vida
E meu coração se deixou levar...

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Me beija que não sou cineasta, mas poeta


Chegou no bloco e na bucha e me recitou um poema ao pé do ouvido no Baixo Gávea. "Hmmmm... é assim, assim", eu disse. "Mas fiz para o bloco, sou poeta. Você não gostou?", perguntou-me Chacal. "Sei que é poeta. Já li coisas melhores suas", fui sincera. "Então deixa eu dizer outro: 'Quero que você me beije e a quaresma me deixe.'" "Não. Não gostei". Levei um tapa de brincadeira na mão com a força descontrolada dos ébrios, antes do afago de desculpas. Tudo certo, Chacal, colou com outras e outros que respiram. Neste momento, faço meu seu verso: quero que a quaresma me deixe.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Do Cadu

VÃOS ENTRE OS DEDOS

Entre os dedos das mãos
Vão-se os anéis
Ficam os medos
Gestos presos
Vãos entre os dedos
No entrelace das mãos
Os gestos são grãos
Escorrendo
nas frestas dos dedos
Entre a boca e a orelha
o vão é da língua
O hálito quente
transmite o segredo
A mordida o dente
A saliva a centelha
No ar a resposta
No segredo a proposta
Teus vãos,
Como é bom preenchê-los!
Percorrer teus relevos
Morder os teus lábios
Cheirar teus cabelos
Cafunés sem anéis
P'ra que quero anéis
Vamos entrelaçar mãos
Pensar que os medos
Vão-se entre os dedos

Imagens do carnaval














terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O-cultismo

Glamour, por mais que pareça francês, tem origem anglo-saxônica. Só para quem quiser aprender:
Glamour: 1720, "magic, enchantment" (especially in phrase to cast the glamour), a variant of Scot. gramarye "magic, enchantment, spell," alt. of Eng. grammar (q.v.) with a medieval sense of "any sort of scholarship, especially occult learning." Popularized by the writings of Sir Walter Scott (1771-1832). Sense of "magical beauty, alluring charm" first recorded 1840. Glamorous is 1882 (slang shortening glam first attested 1936); glamorize is 1936.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Reverência ao destino

Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá.
Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias.
Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.
Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso.
E com confiança no que diz.
Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer ou ter coragem pra fazer.
Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende.
E é assim que perdemos pessoas especiais.
Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar.
Difícil é mentir para o nosso coração.
Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.
Fácil é dizer "oi" ou "como vai?"
Difícil é dizer "adeus", principalmente quando somos culpados pela partida de alguém de nossas vidas...
Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa.
Fácil é querer ser amado.
Difícil é amar completamente só.
Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois. Amar e se entregar, e aprender a dar valor somente a quem te ama.
Fácil é ouvir a música que toca.
Difícil é ouvir a sua consciência, acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.
Fácil é ditar regras.
Difícil é seguí-las.
Ter a noção exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros.
Fácil é perguntar o que deseja saber.
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta ou querer entender a resposta.
Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.
Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.
Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma, sinceramente, por inteiro.
Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.
Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro.
Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica.
Difícil é ocupar o coração de alguém, saber que se é realmente amado.
Fácil é sonhar todas as noites.
Difícil é lutar por um sonho.
Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.

(Drummond)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Alice não mora mais aqui

Ouço miados de gato no telhado
Subo devagar, cautela nas pernas
Firmeza sobre as telhas incertas.

Não há nada lá.
Nunca nada há.

Gatinho de Cheshire, deixa teu riso
Meu mundo é um toco oco
De chás e delírios que tremem.

Por que fazer chorar?
Chorar clareia o olhar?

Cansam-me todos os conflitos
Abandono-me à tua espera
Gato rosa da minha infância.

Vem, anjo, pra cá.
Alice deve tardar.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Amar como ama o black (beans)

Foi estranho acordar lembrando de uma figuraça da década de 70. Gerson King Combo. Alguém lembra? Negão, óculos escuros, elegante que só. Ele me veio à cabeça com o incômodo da saudade. Adorava vê-lo dançar. Que James Brown que nada. Na saída da minha infância, eu vibrava mesmo era com Gerson King Combo.
O dia começou com as imagens vagas do negão sumido e se embrenhou total para a nostalgia. Sem empregada, resolvi cozinhar umas naturebices. Notei que havia uns grãos bem escurinhos e estranhos no feijão azuki. Fiquei lá catando os que iam para a panela. Minha avó e minha mãe "escolhiam" o arroz e o feijão. Nunca mais vi ninguém fazendo isso. As pessoas vão abandonando as tradições por pressa, solidão ou percepção desgostosa da inutilidade dos atos. "Escolher" feijão durava muitos minutos na minha casa. Os grãos eram remexidos para lá e para cá, um movimento que só acabava quando não havia mais o que falar sobre a vida dos outros na cozinha. Era uma terapia em grupo, a casa inteira reunida, olhos fixos no movimento e língua afiada. Às vezes, havia silêncio, mas os olhos permaneciam fixos no trabalho alheio. Quando isso acontecia, era em respeito às lágrimas da cozinheira que por algum tormento entristecera. A solidariedade se mantinha na presença muda. Agora só me falam de individualidade, sem olhar solidário, sem apoio amigo. Meditação em vez de catarse. Isso é o chique. O respeito é manter a distância, falar com o motorista somente o indispensável. Ai, que triste esse mundo que estamos construindo de bocas em que não entram mosquitos para termos histórias a contar.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Olha só o achado, Rozane, a vingadora

A mulher seqüelada

Seqüelada. Haverá prazer maior do que uma palavra nova numa mulher das antigas? As letrinhas morrem de rir, a moça infelizmente não pára de chorar e de perguntar. O que aconteceu? Seqüelas doem. Por muito. Ligue seu aparelho estereofônico e escute as duas. Já teve a mulata que não está no mapa, o remédio que o doutor me receitou e tantas outras. Todas lindas. As certinhas do Lalau, as garotas do Alceu, as dez mais, as chacretes, as existencialistas com toda razão, as boazudas, as frenéticas, as sufraguetes, as marias chuteiras, as socialites, os brotos, as gatinhas, as cachorras e as eternas cinéfilas cubistas do Estação. Agora é a vez da mulher seqüelada, a mais triste. O trema é antigo, o sentido novo. O problema, coitadas, o mesmo de sempre. O medo, a quase certeza, de que neste momento existe outra tocando a pele dele e o enleio de ontem, o conluio da véspera, foi o último. O medo, a absoluta certeza de constatar que o amor é feito de mãos e dentes, o resto se desfaz na vaguitude dos espíritos, no desespero das saudades, na obsessão eterna, amém. A seqüelada não está no dicionário. Houaiss. Aurélio. Eles não sabiam ainda. Perderam este bonde semântico. Homens tradicionais, todos bem casados, não sabiam nada do pegapracapá amoroso. Nossos dicionaristas não tiveram o prazer. Pularam o verbete. Maysa era uma seqüelada quando cantava meu mundo caiu e me fez ficar assim. Estropiada. Desparagonada. Anarquizada. De quatro. Ela sofria. Dois imensos olhos não pacíficos chorando abandonos semestrais. Nora Ney, então, nem se fala. Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de bem me quer. Hoje há cantoras ecléticas, seqüelada nenhuma se admite. Seqüelada, ouço-as maldizer, ficava a vovozinha. Não que seja praga-e-budapeste insuperáveis. Não lhes ria. Acontece um dia e a todas em sua hora de desespero o rótulo lhes caberá naquele esgar de sempre. Ali, na esquina do buço dourado com a covinha da bochecha. Todos saberão ou, os mais míopes, ouvirão que você não balbucia outra coisa. Ele. Sumiu. Volta? Há a mulher da vida, a Maria ninguém, a canhão, a hippie, a vai com as outras, a vizinha faladeira. A seqüelada já estava nas cavernas egípcias, nenhuma novidade no seu despudor sofrido. Os gregos, os portugueses, os fenícios, todos os homens em algum momento iam embora e deixavam a pobre coitada a perguntar para os amigos. Por quê? Disse que me queria. Rimou as mais doidas poesias. O amor é sentimento ou matéria? Dar ou receber? Por que o espírito é tão possessivo? Noventa por cento do tempo dela são dedicados a tentar entender o na maioria das vezes verbalmente inexplicável. Ele não ligou. Disse que vinha. A mulher seqüelada é isso que você já percebeu. Aquela que ficou traumatizada pela tristeza que Vinicius anunciava na canção. Se a vida é a arte do encontro por que tanto desencontro nessa vida. Eu encontrei uma seqüelada dias atrás e ela me foi sincera no pedido. Que eu a ajudasse a colocá-la no sono daquele certo homem e ele nunca mais dormisse em paz. Nunca mais acertasse o tom de uma música, nunca mais concordasse o verbo com o sujeito, nunca mais acertasse o foco e a luz de uma maldita foto. Que a seqüela atravessasse a rua, sem sinalizar seu novo rumo, e de surpresa, como o carcamano tinha feito com ela, como uma Pajero desgovernada, agora o atingisse — e eu amanhã publicasse no jornal a mais linda das notícias. Que os sinais vitais do indigitado, o seu orgulho de macho, a soberba dos que abandonam, já não estavam mais preservados. Havia se ido desta para uma pior e que a assombração de seu grito de orgasmo pairasse toda noite sobre aquela última a quem ele havia tocado a pele. Só assim ela, a seqüelada que me pede ajuda, se libertaria de reinventar todos os dias os olhos de desejos que ele, ainda anteontem pela manhã, debruçava sobre seu corpo. Só assim ela se livraria do gosto da hóstia consagrada que em seguida ele colocou, recitando o mantra lírico-safado dos amantes, em sua boca arfante. Ela queria mais, mais, mais, e agora sabia tudo em vão. A seqüelada é aquela que se espanta com a voz do corvo na orelha. Nunca mais. Nunca mais. Certas noites ela pede para que a igreja evangélica logo ao lado amplifique dez vezes os gritos de aleluia e lhe apague o corvo das orelhas. Mas o corvo também tem seu sistema de som e TV. Nunca mais é nunca mais. Fala mais alto. Maria Adelaide do Amaral, da minissérie “JK” me perguntou outro dia. Como se dizia lésbica nos anos 50, já que lésbica propriamente não se dizia nos anos dourados da repressão sexual. Cassandra Rios parece que carregava o estigma, nenhuma mais. Sexo não era essa alaúza de agora. Eu arrisquei paraíba e parece que alguém vai ser chamada assim na TV. Não vem ao caso. Seqüelada não tem nada a ver com isso. Pelo contrário. Ela gosta é dos homens, mas geralmente dos homens errados. Tem a ver com a paraíba, mulher macho, sim senhor, apenas porque os rótulos são cruéis e ajudam a entender em quatro sílabas as 500 páginas da odisséia de Ulisses. Entre os adolescentes, por exemplo, há uma seqüelada diferente. Para eles a seqüelada é apenas a mulher lerda, meio viajandona , que não entende bem as coisas. Sofre das idéias, os buracos da maconha já apagando uns arquivos da memória. Na faixa acima dos 30 anos as seqüelas são outras. Atacam o coração. A seqüela identifica a vítima de um cretino qualquer que prometeu mundos, fundos e uma viagem para os cafundós mais profundos onde ninguém interromperia a pressa de suas mãos e dentes. Foi o que ela entendeu e agora ei-la aqui. De quatro, feito a outra. Na véspera do Natal, na noite de aniversário, minutos depois de ter sido presenteado com uma caixa de DVDs dos Beatles, o cara não explicou muito bem o que estava acontecendo para aquele súbito tremor nos artelhos. Arriscou umas palavras vagas sobre a complexidade de se estabelecer um tempo comum entre eles. Parou no meio de uma frase sobre a falta de sintonia entre a ambição física e a correspondência dos sentidos. Olhou turvo para a mosca varejeira que passeava sobre a pia. Bateu a porta como se fosse ali no quiosque comprar flores. E foi. Para sempre. Nem se dignou ao aviso. Era a extrema-unção dos católicos, a saideira do Braca, o baile da cremação das tristezas dos carnavalescos, o último acorde para os melômanos, o trilar do apito para os boleiros. Bateu a porta e inaugurou no peito de mais uma muher a seqüela terçã que a tudo embaça e não deixa crer que amanhã, e nem mesmo depois do carnaval de satisfaction dos Rolling Stones, nunca mais será outro dia. Maldito o amor lhe seja.

(Joaquim Ferreira dos Santos)