quinta-feira, 13 de março de 2008

A Arte de Esquecer (extraído do Boletim Contato do IEA/USP)

"Somos aquilo se que nos lembramos", disse o pensador italiano Norberto Bobbio. O neurocientista Iván Izquierdo concorda, mas acrescenta: "Somos também aquilo que decidimos esquecer".
Segundo Izquierdo, que atualmente trabalha no Centro de Memória do Instituto de Pesquisas Biomédicas da PUC-RS, o ser humano esquece para poder pensar, não ficar louco, conviver e sobreviver. Caso contrário, todos seriam como Funes, personagem do conto de Jorge Luis Borges "Funes, o Memorioso", várias vezes citado por Izquierdo. Funes era capaz de lembrar absolutamente tudo que vivenciara. E como sua mente se saturava com lembranças minuciosas sobre tudo, era incapaz de fazer generalizações e, portanto, de pensar.
Assim como é fundamental exercitar a memória (sobretudo com a leitura, recomenda Izquierdo), para que as sinapses (conexões entre os neurônios) se consolidem e possibilitem a evocação de memórias, é preciso praticar a arte de esquecer para uma vida com maior bem-estar: "A arte de esquecer, como todas as artes, depende de sutilezas, contém muito de involuntário, e pode ser utilizada para o bem ou para o mal do próprio indivíduo".
A memória de trabalho é aquela utilizada para entender a realidade que rodeia o indivíduo, com o processamento imediato das informações recebidas, para a formação e evocação da memória de curta duração, que dura algumas horas, e da memória de longa duração, que dura dias, anos ou décadas.
A arte de esquecer deve ser aplicada para o bom funcionamento da memória de trabalho, na qual esquecer é parte da função, para que haja "o bloqueio sensato do excesso de informações que às vezes nos inunda".
Outro recurso é a falsificação de memórias, que o cérebro às vezes produz como um mecanismo de defesa, para nos sentirmos melhor com uma lembrança parcial ou distorcida de algúem ou de algo, no lugar dos aspectos desagradáveis ligados a esse alguém ou algo.
Há também a repressão, o esforço consciente ou inconsciente feito para não recordar continuamente ou fora do momento oportuno episódios dolorosos, humilhantes ou aterrorizantes.
A extinção e duas formas próximas a ela, a habituação e a diferenciação, muitas vezes não levam ao total esquecimento, mas refletem a arte de cancelar respostas já inúteis. O neurocientista explica que essa atitude pode ter enorme valor terapêutico no tratamento de fobias, pânico, angústia generalizada, estresse pós-traumático e outras doenças psiquiátricas.
O quinto componente da arte mencionado por Izquierdo é a chamada dependência de estado, em que o cérebro se reserva o direito de responder só quando estiver novamente sob a influência de determinado estado neuro-humoral e hormonal: "Serve, entre outras coisas, para trazer à tona formas de resposta ao medo só na presença de situações que as exijam".

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