terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Oração - Antônio Maria (1954)

"Rosinha Desossée, me tire desse quarto de hotel e de todas as coisas que entram pela janela; me leve para longe das palmeiras, mais longe e perto das coisas mais macias; me faça esquecer (depressa) os homens ruins — isto é: os que gostam de cebola crua; me ensine, Rosinha Desossée, tudo o que eu não aprendi: a cortar com a mão direita, a usar anel, a tocar piano, a desenhar uma árvore e valsar; e me lembre do que eu esqueci — raiz quadrada, (as mais ordinárias), frações, latim, geofísica e "Navio Negreiro", de Castro Alves; depois, me dê, pelo bem dos seus filhinhos, aquilo que eu não tenho há quase um ano, carinho — de um jeito que eu não sei dizer como é, mas que há, por aí ou, pelo menos, já houve; destelhe a casa, deixe a noite entrar e, juntos, vamos nos resfriar; espirre de lá, que eu espirro de cá... agora, cada um com a sua bombinha, inalação, inalação; lado a lado, sentemos, os dois de perfil para o ventilador; minhas mãos e as suas não são de ninguém, entendido?; se interesse por mim e pergunte o que eu sei, que eu quero exclamar, no mais puro francês: "oh!"..."comment allez vous"? (...) de um jeito ou de outro, me tire daqui, pra Pérsia, Sibéria, pro Clube da Chave, pra Marte, Inglaterra, sem couvert, sem couvert; está vendo o retrato dos meus 20 anos? de lá para cá, cansaço, pé chato, gordura, calvície fizeram de mim essa coisa ansiosa, insegura e com sono, que pede a você, no auge do manso: você, Desossée, não saia esta noite e fique, ao meu lado, esperando que o sono me tome e me mate, me salve e me leve, por amor ao teu andar, assim seja..."

Um comentário:

Unknown disse...

Este texto é publicado, geralmente sem este trecho:
que eu quero exclamar, no mais puro francês: "oh!" Com o livro entre as pernas, leiamos Dom Jaime: ”os D”Aragão sabem cingir a espada, mas matam a punhal uma mulher desarmada”. Agora é mais serio e você, Desossée, telefone ao banqueiro, propondo meu crédito, você de avalista; repare o relógio, que andou tão depressa, são horas, partamos, o rumo é Paris; “bom-dia Vinícius, “comment allez vous"? .e todos na mesa , olhando pra nós, perguntaram, repletos de ânsia: “Afganistão , capital?... de um jeito ou de outro, me tire daqui, pra Pérsia, Sibéria, pro Clube da Chave...