quarta-feira, 30 de abril de 2008

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Testamento

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

(Manuel Bandeira- 1943)

Papo mulherzinha


Harrison Ford depilou o peito para protestar contra o desmatamento, diz ele. Então eu também resolvi protestar. Contra essa tristeza. L'amour est bleu. Violets and sadness are blue. E se eu beber muito, fico blau, na Alemanha. Por isso pintei minhas unhas de azul, exatamente como as da cantora aí. Dizem que é a última moda. Olho e unha azul. O esmalte Blue Satin, da Chanel, está esgotado. Dei meu jeito. E por falar na onda azul, uma borboleta azul me seguiu pela rua durante metade do meu trajeto para o trabalho. Quase dez minutos esvoaçando ao meu lado a belezura.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Boa noite com um presente

As pedradas de Sharon Stone, QI 154

Se você não quer os meus pêssegos, não sacuda a minha árvore.
Mulheres podem ser capazes de fingir orgasmos. Mas os homens podem fingir toda uma relação.
Eu acho que todos os homens são cachorros. Cedo ou tarde eles começam a latir.

Knowledge


Now that I know
How passion warms little
Of flesh in the mould,
And treasure is brittle,--

I'll lie here and learn
How, over their ground
Trees make a long shadow
And a light sound.

(Louise Bogan - 1923)

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Ain't No Sunshine (autor: Bill Withers)

O cheiro do éter

Vivi uma infância entorpecida pelo éter em Copacabana, para onde me mudei aos 7 anos, depois de sair da Ilha do Governador. O cheiro espalhava-se pelo Posto 5, no rastro de um grande homem andrajoso freqüentemente visto arrastando-se pela Barata Ribeiro. Ele rondava a famosa - e fechada - farmácia Piauí, quase na esquina de Constante Ramos, mas não sei se comprava o vidrinho do produto ali. Os conservadores moradores usavam aquela figura, se não me engano, chamava-se Eduardo, para afastar os filhos das drogas naqueles anos 70. Diziam ser ele um rico herdeiro que havia enlouquecido por causa de maconha, cocaína e ácido e que, agora, afastado da família abastada, pedia esmolas para comprar éter. Eu o vi várias vezes dando suas cafungadas no paninho embebido do líquido, mas nunca acreditei muito no papo da riqueza dele. Para mim, o mendigo era triste, muito triste, e isso só poderia se explicar por alguma desilusão romântica. Inventei uma história para o homem que por um tempo ocupou o lugar das minhas bonecas nas brincadeiras de desvarios. Ele não seria do bairro, mas teria ido à praia lá e encontrou uma 'cocota', por quem se apaixonou. A moça o esnobava, mas ele não ligava, só queria ficar perto dela. Nunca mais voltou para casa, vivendo da piedade alheia. O tempo passou, ela se casou com outro e mudou de lá. Alucinado de dor, o pobre passou a se anestesiar com éter. Fez voto de silêncio - realmente, nunca ouvi sua voz -, parou de tomar banho e fugiu do lugar-comum chamado realidade. Procurava seu amor contrariado sempre rondando quatro quarteirões. Em vão. Seu pé, inchado como seu fígado, sangrava, assim como seu peito. Um dia, Eduardo chorou muito, e as lágrimas cheiravam a éter. Ele, então, cobriu os olhos e o nariz com seu paninho sujo e ficou agonizando três dias assim. Depois disso, ninguém mais o viu. Eduardo sumiu. Virou folclore para os copacabanenses e marco de tristeza para mim.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Notícia sensacional

MOSCOU, 22 ABR (ANSA) - O jornal russo "Moskovski Korrespondent", que
publicou na última semana a notícia da separação entre o presidente
Vladimir Putin e sua esposa, desmentiu o caso afirmando que o
"affaire" entre Putin e sua suposta amante, a jovem ginasta Alina
Kabaeva, foi inventado para cobrir um espaço vazio na página de
política quando a equipe de redação estava bêbada.

"Tínhamos um buraco que não podíamos encher com os personagens de
sempre do show business, e, já mais à noite, cansados e estressados,
acabamos bebendo demais. Não saberia dizer quem teve a idéia", disse
ao tablóide Izvestia o jornalista Lev Rishkov, um dos redatores da
notícia, que também publicou na internet uma longa confissão, motivada
provavelmente por pressão dos dirigentes do jornal e do próprio
gabinete presidencial

domingo, 20 de abril de 2008

Cena do cotidiano

- Diz que não gosta de mim, assim fica mais fácil (ela chorava ao celular).
- ... (não sei o que a pessoa do outro lado da linha falou, mas imaginei algo como "não posso dizer")
- Por quê? A gente está se despedindo (soluços de dar pena).
- ... (também imaginação minha: "porque não é verdade"
- Mas se você gosta de mim, por que a separação? Tá doendo... (a bichinha se contorcia de rejeição)
- ... (mais uma vez: "não gosto de você do jeito que você gosta de mim").
- Como assim? E os 'eu te amo' que você me dizia? E os poemas? Tudo isso só para me comer? (o choro cessou com a raiva).
- ... ("coisas de momento")
- Ah, coisas de momento... (olhando fixamente o mar como uma pré-suicida e limpando as lágrimas). Tudo bem. Vai passar.
- ... ("você vai ficar bem")
- Vou. E você também, infelizmente.
A garota desligou e ficou segurando o celular. As lágrimas voltaram. Ela percebeu que eu tinha ouvido tudo. "Acabou", disse-me. "É, estou vendo", respondi, sem tentar disfarçar. "Ele era a minha vida" (entre soluços). "Ninguém é a vida de ninguém", ponderei. "Sem ele, nada faz sentido", desesperou-se. "Nada faz sentido nunca", consolei. "Como assim?", surpreendeu-se. "Enquanto ouvia sua conversa, pensei nas minhas separações. Foram muitas. Dois dos meus amores, eu afastei com viagens. Outro, com quem quis viver até morrer, me traiu. E olha que ele dizia que queria fazer um banco para sentarmos juntos e vermos nossa velhice passar, assim como o Jorge Amado construiu na casa dele de Rio Vermelho. Pra ele e a Zélia Gattai. Esse golpe foi duro, me tirou do prumo. O último agora, coisa recente, perdeu-se na bagunça do seu coração, plagiando o Chico." "Você gostava dele?" "Gostava e, por gostar, estou tentando dar a ele o que ele queria: o esquecimento." "Não entendi." "Nem eu, são mecanismos que a mente cria, sei lá. Ontem, um amigo nosso me ligou, pedindo o celular dele e, imagina, descobri que não sabia mais de cabeça! Acredita? Sei os números finais, mas não lembro de jeito nenhum o início." "Estranho..." "Não é? Fiquei pensando nisso... Ele é meu gatinho de Cheshire, aquele da Alice, que desaparecia, você conhece? Primeiro o corpo, depois o rosto, depois o sorriso." "Sorriso?" "Escárnio. Hahahahahaha. Você acredita que ele me enviou uma carta de amor e, meses depois, quando mostrei a ele, disse: 'que linda carta de amor que você me escreveu'? Ele não lembrava que era dele, esqueceu as próprias palaras... " "Vocês terminaram há muito tempo?" "Nunca começamos de verdade." "Você sofre?" "Por quem?" "Ele." "Ele ou eles?" "Tá. Eles." "Sofro por mim. Autopiedade. Uma merda." "Você acredita que eles a esqueceram?" "Claro que não. Sem modéstia nenhuma. Desses aí, para não aumentar a lista, o primeiro recentemente encontrou uma amiga e perguntou por mim, como eu estava, se estava casada, se tinha alguém, disse que queria me ver. Tô fora. O segundo reviveu a história comigo e disse que procurava a mim em todas as mulheres com quem se relacionou. O outro, traidor, altera-se sempre que fala comigo. Nunca é normal. Há sempre mágoa, raiva e culpa nas palavras escolhidas. E o último não consegue falar comigo. Isso é muito emblemático." "Eu estou péssima..." "Mas é para estar mesmo, não tem nem dez minutos que vocês terminaram. Desculpa perguntar, mas qual foi o motivo?" "Ele não sabe se gosta de mim." (volta a chorar muito) "Só o tempo vai dizer para ele isso, flor, espere com coragem. Depois, se ele continuar sem resposta, esqueça." "Sofri muito por ele..." "Esse problema não é dele, é seu, lembre-se disso." "Mas ele me sacaneou tanto..." "Já esse é um problema dele, não seu." "Ele mentiu." (choro altíssimo, que começou a me fazer sentir mal) "Não chora, vai... Você quer um amor, uma vingança ou um prêmio de consolação? Porque você não está me dizendo que o quer porque ele é bacana ou inteligente ou gostosão. Você o quer porque ele te fez sofrer, mentiu pra você... Desculpa, querida, mas isso ou é para se vingar ou é para ficar com ele como prêmio de consolação pela sua miséria." "Mas eu queria falar todas essas coisas que passei para ele." "Para ele se sentir culpado e voltar?" "Você agora está me deixando confusa..." "Se o cara a fez sofrer, para que voltar?" "Para dizer essas coisas". "E receber um afago e outro pé-na-bunda? Fala sério." "Tenho que engolir as palavras? Nem direito ao desabafo tenho mais?" "Vai adiantar? Desabafo traz amor de volta? Acho que é bom engolir, sim." "Mas ele tem que saber..." (choro alto). "Ele sabe. Olha, flor, se isso a consola de alguma forma, uma amiga minha tem uma frase genial para essas situações: 'Um dia a gente se encontra no inferno'. Se o cara foi mau, se a enganou, se tá te fazendo chorar assim... hahahaha... não tem jeito, vocês vão se encontrar no inferno. Espere." "Isso é muito pesado... Mas traz algum alento." "Um amigo meu me consolou uma vez com uma frase do Verissimo: calma, calma, 'daqui a 50 anos vamos estar todos mortos.". "Mas no inferno?" "Não há escapatória. Eu também vou estar lá. E aí te apresento aos meus ex."

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Só o Urubu

Meu amigo Urubu comentou que alguém entra muito no blogue dele, veja na lista dos navegantes, pondo no google "dei para o melhor amigo do meu neto". Estranho essas palavras estarem lá, mas o Bubu é surpreendente. Depois que ele contou isso, comecei a olhar os visitantes daqui e seus motivos. Há muitos que chegam buscando "carta de amor", "carta de amor eterno", "lembranças infantis", "histórias de amor onde um o ama e o outro não", e assim vai.
Em outras palavras sou muito romântica.

Carta a um(a) visitante

Você esteve aqui comigo por uma hora e meia. Conheceu minhas inseguranças, minhas tristezas e alegrias, meu amor, o motivo da válvula de escape. Descobriu o "halo" deste blogue, como está lá no post da Clarice, do qual vi que gostou pelo comentário. Na verdade, não foi uma descoberta sua, mas um reencontro, um retorno. Educadamente, como um(a) amigo(a), pediu desculpas por ter demorado a voltar. Entrou as duas vezes pela "Eubiose e as blagues" e deixou as perguntas: "Por quem os sinos dobram? E... por que os homens choram?". À primeira, vou responder com palavras do poeta inglês John Donne:
"No man is an island, entire of itself; everyman is a piece of the continent, a part of the main. If a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were: any man's death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bells tolls; it tolls for thee."
Dobram por você, amigo(a) visitante.
Sobre a razão de os homens chorarem, não sei se você se refere ao sexo ou à humanidade. Se for ao macho, talvez um homem possa responder melhor que eu. Acho que choram pelos mesmos motivos que as mulheres, com exceção dos hormonais: saudade, saudade, saudade, tristeza, culpa, impotência, raiva, dor. E também felicidade.
Mas eu queria mesmo, visitante do Centro-Oeste, era agradecer seu comentário carinhoso: "Minha mãe catava feijão conversando com minha avó, e me dava cascudo quando eu chegava atrapalhando. Hoje catamos páginas como a sua."
Ah, pessoa, sua visita epifânica me fez sonhar com alguém para quem eu gostava enormemente de escrever e que há muito não aparecia etereamente para mim em rosto, corpo, olhos, sorrisos. Obrigada. Como você não deixou e-mail, dedico-lhe o texto, minha única forma de comunicação, esperançosa de que volte mais uma vez para ler. Obrigada pelo sonho que me proporcionou, você não imagina a saudade que eu sentia daquela imagem. Obrigada pela paz. Obrigada por me fazer visualizar você na varanda da sua casa, olhando a chuva na sua cidade, pensando na foto da casinha da minha amiga Anna. Obrigada por me emprestar seu colo para eu dormir.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

quarta-feira, 16 de abril de 2008

E Um Beijo Roubado para terminar

De forma doce, resgatando a leveza.
Uma dose diária terapêutica de Wong Kar Wai para flutuar e dormir contando Jude Laws. Esse homem não existe.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Clarice, para começar o dia

O que te escrevo não tem começo: é uma continuação. Das palavras deste canto que é meu e teu, evola-se um halo que transcende as frases, você sente? Minha experiência vem de que eu já consegui pintar o halo das coisas. O halo é mais importante que as coisas e as palavras. O halo é vertiginoso. Finco a palavra no vazio descampado: é uma palavra como fino bloco monolítico que projeta sombra. E é trombeta que anuncia.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Nirvana

Fragmentos de texto de Alcione Araújo

O AMOR COMEÇA
O amor acaba, afirmou, reiterou e repisou, meu amigo e vizinho Paulinho Mendes Campos em crônica célebre. A perplexa constatação parece surpreender o cronista. Mais do que isso, parece consterná-lo. Até Vinícius de Moraes, profissional da paixão, conforma-se a que o amor acaba. Sonha apenas que seja infinito enquanto dure. O amor acaba como a noite sufoca o dia, como o despertar afugenta o sonho, como o ar aspira a fumaça do cigarro. Mas, se o amor tem crepúsculo, tem também a manhã dos inícios. O amor começa. Num instante que pode ter se perdido no tempo, ou num recanto empoeirado da memória. (...)
Às vezes, uma pessoa arrepia-se de emoção ao se aproximar de outra. E pensa que o amor começou. Há que ficar atento. Pode não ser. Ela descobriu que precisa e quer a companhia da outra. Mas não significa que o amor começou. Outras vezes, o amor acontece em uma pessoa, mas não na outra. Não há culpa em não corresponder a um amor. Mas rejeitar amor dói. (...)
Imagine você: alguém está diante do amor, do amor definitivo, absoluto, imorredouro. Mas a pessoa não o reconhece, não o percebe, não o intui. Como o faria, se nunca o sentiu, nunca o viu... Eis a ironia: o que mais se busca é o que menos se conhece. Nunca se saberá se encontrou. Será mesmo este? Não será o seguinte? Ou o anterior?

domingo, 13 de abril de 2008

Fôlego, o filme

Nosso umbigo é nosso umbigo é nosso umbigo é nosso umbigo. Moralista. Conformado.
Bom mesmo foi feijoada na Sambaíba, foi pegar a bicicleta na Carlos Góis para mergulhar no Arpoador. Deus salve esses dias ensolarados.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

Escribir, por ejemplo: "La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos."

El viento de la noche gira en el cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.

En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.

Ella me quiso, a veces yo también la quería.
¡Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos!

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.

Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.

¡Qué importa que mi amor no pudiera guardarla!
La noche está estrellada y ella no está conmigo.

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.

La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

Yo no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise...
Mi voz buscaba al viento para tocar su oído.

De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.

Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

De um texto de DaMatta

(Rezar e Chorar - publicado no Globo na semana passada)

"Nos últimos anos, a vivência da perda irremediável conduziu-me a uma descoberta fora do comum. Levou-me ao entendimento que chorar é uma forma de rezar. Choro, logo rezo; diria elegantemente um cartesiano. Rezo, logo choro; diria um estruturalista com gosto pelas esclarecedoras reversões que ajudam a descobrir dimensões ocultas; e a relativizar verdades e crenças estabelecidas.(...) Em ambos está contida a experiência fundamental quando nos confrontamos com as situações fora de controle: com as negativas que nos roubam o pai, o filho, o amante, o irmão e o amigo; ou com as moléstias que corroem as pessoas amadas. No soluço que nos sacode o peito e nos faz gemer de dor pela nossa condição de miséria e finitude, há o reconhecimento de que somos incompletos, perdidos, frágeis e fáceis de atingir porque tudo o que temos é relativo e passageiro. "

domingo, 6 de abril de 2008

Mia Couto

A Fábula do Macaco e do Peixe

Um macaco passeava-se à beira de um rio, quando viu um peixe dentro de água. Como não conhecia aquele animal, pensou que estava a afogar-se. Conseguiu apanhá-lo e ficou muito contente quando o viu aos pulos, preso nos seus dedos, achando que aqueles saltos eram sinais de uma grande alegria por ter sido salvo. Pouco depois, quando o peixe parou de se mexer e o macaco percebeu que estava morto, comentou - que pena eu não ter chegado mais cedo!

'Dingão' - para o Zé e o Uchoa

Pegou em casa a tequila ouro que o amante miserável trouxe da viagem e levou para a mesa do bar, onde amigos a esperavam. Era dia de porre anunciado. Na mesa, cinco que entornavam cervejas e cachaça olharam para ela com admiração quando a garrafa foi posta com proposital barulho brindando à revelia os copos. Vambora beber. Quietinho e só sorrisos, um habitué das farras e calçadas da Farani olhou para o grupo. Interessante, pensou ela na terceira virada da tequila, que não resistiu nem dez minutos aos sugadores de álcool. Vaquinha rápida, reclamações de preço, corrida ao posto no início da Pinheiro Machado e tudo resolvido. Outra garrafa na mesa. Hmmmmm... Ele tá afim. Não tira os olhos, ela reparava. O quase fim da segunda tequila a fez lembrar que havia uma festa para ir. Traçou uma reta na sua cabeça já entalada nos efeitos "sombreros" da bebida, rumou ao piteuzinho e cobriu os lábios dele com o gosto do México. Nenhuma palavra foi dita. Atônito, ele sorvia as gotas da boca da louca. Tenho uma festa para ir no Humaitá. Vai comigo, gostoso. Bebidinha de graça. Ele, o amigo dele e a namorada do amigo toparam ao mesmo tempo. Chegaram à festa quando o torpor da tequila dava adeus a ela, deixando em seu lugar um mal-estar horrível, uma sensação de cabeça presa num imenso pião e pernas para o ar. Ai, vou vomitar. Não, aqui, não, maior mico. Viu que seus convidados estavam bem e saiu à francesa. Disse o endereço de casa entredentes, largada no banco de trás do táxi, antes de o manto da amnésia cobri-la até a ligação de um amigo no dia seguinte: Pô, maneira sua ação social e emocional com o cara. Nenhum problema de ele e os amigos comerem lá e dormirem na cama do dono da casa. Mas poderiam ser mendigos menos fedorentos.

sábado, 5 de abril de 2008

Dois Vítor e um Hoffmann



Vítor Araújo relê Paranoid Android do Radiohead, de quem é fã - "ouço tanto quanto ouço Chico Buarque" -, dividindo a música em quatro interpretações: sua, de Chopin, de Bach e do próprio Radiohead. A música para ele está na vida, ou a vida está na música. O silêncio é música. Pernambucano. Torcedor do Náutico doente. Boquirroto. Fofo. Articulado. Enaltece Villa-Lobos, fazendo-nos chorar com a Valsa da Dor. "Percebam como a dor atravessa mais de 40 anos e é sentida até hoje como dor", diz com apenas 18 anos de vida, dos quais 9 pratica piano.

O outro Vítor poderia ser pai deste, com o qual sairia para "pegar" nos Bailinhos da vida. Briga contra o tempo com seus generosos olhos verdes. Inaciano, quase padreco, já estudou teologia. Desistiu. Esqueceu a fé pelas esquinas. Arremeteu-se para a filosofia - adora Nietzsche, quer exercitar o cérebro e passar as horas. Não diz de jeito nenhum a idade e ensaia um biquinho de criança quando questionado. Sabe que o "inverno no Leblon é quase glacial", por isso gosta de abraços quentes sobre a Academia da Cachaça.

Hoffmann foi uma surpresa. Lembro-me das lágrimas derramadas por me sentir incompetente na sua presença. Editor que cobrava mais do que sabia. E às vezes dava a impressão de não saber o que exatamente queria. Detonou em mim uma duodenite aos 23 anos. Mas o inferno virou céu. Agradeço-o por batalhar por mim para eu estudar na Espanha sem perder meu emprego. Veio ao meu encontro no bar, após 12 anos sem encontros. "Ana Silvia! Que bom vê-la bem. Se lembra de mim?". Minha memória apagada pegou no tranco. Bom vê-lo também, Hoffmann, meu professor de tolerância.

Semana marcada por três personagens masculinos distintos. Os homens são muito interessantes.